segunda-feira, 22 de julho de 2024

Popeye the Sailor Man: Blow me down

📺 História da animação

Blow me down, 1933. De Dave Fleischer.

Excelente animação para resgatar um período de maior liberdade criativa dos desenhos animados nos Estados Unidos – porém menos anárquico do que as produções de anos anteriores. Lançado no cinema pela Paramount como parte de uma série de animações curtas, “Blow me down” traz um Popeye brigão, barra pesada aportando com seu barco baleia em uma cidade mexicana. Derrota facilmente os mexicanos com seus chapéus característicos que insistem em entrar no seu caminho. Chegando a um bar do tipo saloon sai no braço com o chefão-mor, o Blutos, o chefe dos bandoleiros.

O personagem mantém proximidade com sua origem cartunesca, mais caçador de confusões do que herói. Olívia faz as vezes de uma dançarina e não é poupada pelo Popeye que ri de suas atrapalhadas. As caricatas representações dos mexicanos nos informam a generalização do estereótipo dos faroeste. A influência do cinema também é perceptível na simulação de um ângulo de câmera alto, quando Popeye sobre as escadas para salvar Olívia, uma solução narrativa bem original.

O estilo dos irmãos Fleischer (1933-1942) é mais seco e objetivo do que a tradição rival inaugurada por Walt Disney. A paleta em preto e branco produzida pela técnica do desenho a mão revela um traço livre da emulação do belo e fiel ao antigo formato de cartoon impresso. Com presença de elementos non-sense (algo comum no período), utiliza as gags visuais como fonte de comicidade. O foco, no entanto, está dado na sucessão de conflitos entre Popeye e o mundo. Torna canônico este episódio a famosa música “I'm Popeye the Sailor Man”, além da bublagem do marinheiro realizada por Willian Costelo.

A força do marinheiro encrenqueiro aparece em várias metonímias e metáforas, enfatizando sua força física: símbolo de outra época e mentalidade. O uso do cachimbo para consumir fumo (algo minorado em períodos posteriores) e de bebida alcóolica revelam outras concepções do adequado à audiência infantil. Nesse momento o personagem estava mais para o bad boy do que para o nice guy.

De fato, esta curta animação (6m19s) pertence a uma das fases mais criativas da franquia Popeye. Rever o episódio é um estímulo para o resgate de uma história do desenho animado.

sexta-feira, 19 de julho de 2024

Sadako vs. Kayako

Sadako vs. Kayako (貞子 vs 伽椰子), 2016. Japão. De Kōji Shiraishi

Sadako mata todos aqueles que assistem uma fita de VHS e Kayako todos os que entram em sua casa. O que aconteceria, porém, se alguém assistisse a fita na casa de Kayako? Adianto que não temos nenhum confronto de gigantes fantasmagóricos, pois o encontro entre as duas  criaturas simplesmente não convence.

O Chamado e O Grito foram apropriações das versões japonesas baseadas, por sua vez, em livros e mangás. Elas até exibem mais frescor e originalidade, porém são menos assustadoras do que as adaptações norte-americanas, com um maior esmero gráfico e visual. A versão de O Chamado de Gore Verbinsky, por exemplo, vale-se de uma ambiência aflitiva e de um horror construído no detalhe, ou seja, em toda a mise-en-scène. Por sua vez, as produções japonesas mostram-se desatentas à construção do universo fílmico.

Sadako vs. Kayako propõe um crossover das duas entidades, porém o filme enfoca mais o arco da primeira do que da segunda. Kayako e a criança Toshio (outro fantasma amaldiçoado) aparecem poucas vezes em uma trama paralela bem pouco convincente. De certa forma, o filme é da Sadako com uma ponta de Kayako.

A trama em si é desinteressante e dada a falta de desenvolvimento dos blocos de sequência resta apenas a sucessão de sustos e mortes de personagens secundários (colocados ali só para morrer mesmo). Tudo muito preguiçoso, preâmbulo para o confronto derradeiro entre as duas japonesinhas fantasmas.

No entanto, o embate final decepciona, tremendo anticlímax. Tudo ocorre muito rápido sem as preocupações de explorar as similitudes e as diferenças entre as duas maldições. O desfecho pode até ser aceitável por se tratar de um filme de terror, mas fica a sensação de que após 98 minutos nada de relevante foi exibido. Se havia alguma boa ideia nessa produção, ela não passou do título.

Assistido em 14/07/2024.

Cotação

sábado, 13 de julho de 2024

Retorno da Lenda

Retorno da Lenda (Old Henry), 2021. De Potsy Ponciroli

Hoje fala-se muito em representatividade, é preciso ter cota para tudo; as mulheres, inclusive, devem aparecer na telinha de projeção como fortes e empoderadas. Em caso contrário a crítica não perdoará. Então como explicar Old Henry que conta apenas com atores masculinos? Simples, o filme se apropria da tão propalada ideia de “toxcidade masculina”. Quer dizer, se deixados à própria os homens se brutalizam, engolem seus sentimentos, agridem-se mutuamente e fazem xixi na cama...

Desprovidos de lealdade e racionalidade eles encontram fadados a um ciclo de violência. Assim, quando um homem ferido aparece na porta de Henry McCarth, este reluta em ajudar o desconhecido, pois sua preocupação maior é com o filho, o jovem Wyatt. A história vai se complicando à medida em que o velho Henry precisa decidir entre abandonar o desconhecido de nome Curry – que pode ser tanto um xerife quanto um fora-da-lei – ou enfrentar o bando que almeja captura-lo.

O mundo masculino é brutal e o fazendeiro Henry traz em seu corpo a gestualidade de um passado de violência e rudeza. Seu jeito austero esconde, na verdade, um pistoleiro temido e procurado, algo que nem seu filho imaginava.

Empregando enquadramentos longos e médios a fim de mostrar a tentativa dos personagens se esconderem na natureza, o filme opta pela estilização em detrimento da verossimilhança. Com uma fotografia limpa e em tons pasteis a projeção contrapõe o modo de vida solitário e brutal do universo masculino com uma natureza que poderia ser apropriada de forma mais criativa. Assim, carcaças de aves depositadas sobre uma mesa indicam o tipo de civilização construída naquele meio e por aqueles personagens. Do mesmo modo, um pássaro entalhado na madeira é a oportunidade perfeita para um disparo a sangue frio.

Destoa desse universo o jovem Waytt em seus questionamentos sobre a escolha do pai por tal modo de vida. Com sentimentos e ambivalências mais profundas ela se conecta à figura da mãe falecida. Apontando para um modelo de conduta que não é masculino – embora ele tente se apropriar dos códigos de virilidade reinantes – Waytt busca uma alternativa para aquele espiral de aridez e violência. O confronto geracional introduz o elemento de desequilíbrio dramático.

Henry McCarthy, por sua vez, é uma figura poderosa demonstrando a perícia dos homens do bang-bang. Contudo, seu deslocamento denuncia o beco sem saída das privações e provações do lugar físico e simbólico do Oeste. Os cowboys e pistoleiros precisam desaparecer. Novamente anunciando um fim para o faroeste clássico, Retorno da Lenda é mais um episódio da “volta dos que não foram”.

Morte aos machões e que venham os rapazes repletos de expressividade. Na narrativa do filme tal temática se encarna no abandono do universo de violência por meio de uma lenta marcha rumo à costa leste. Deste modo, a metáfora inicial da narrativa, dar restos dos porcos aos próprios porcos, recobre todo o sentido ao sugerir uma relação canibalista e autodestrutiva da qual o Western tem dificuldades de se afastar. Mas é esse deslocamento diante das obsolescências que permitirá a chegada do novo.

Um argumento, uma aposta. Está aí. Compre-a quem quiser.

Cotação: