sábado, 3 de fevereiro de 2024

Velozes e Mortais


Crítica a jato✈

Velozes e Mortais (Highwaymen), 2003. EUA. De Robert Harmom

Antes de criticar o filme tenho que criticar a mim mesmo. Estava na locadora e o rapaz me sugeriu Velozes e mortais. Eu perguntei se era bom e ele na cara lavada disse que sim. Eu sabia que ele estava me enganando, mas porque sempre me deixo ser enganado? O filme é uma história idiota (psicopata que usa um carro para matar pessoas) cheio de clichês e furos no roteiro.


Vou citar só alguns exemplos, pois não quero perder mais tempo com essa lástima...


1) Filme de carros envenenados (que conceito interessante!)


2) O relacionamento entre os protagonistas é totalmente forçado. Há um momento em que o personagem principal se vira para deixar a "mocinha" se trocar (outro clichê)!


3) O filme é uma história de vingança que, como já foi assinalado por diversos críticos, marca o cinema americano pós 11 de Setembro.


4) Só para constar, o personagem principal força a moça a acompanhá-lo, o que é rapto. Mas ela aceita ser subjugada e troca olhares sugestivos com seu protetor...

Que lixo!

Cotação: ☕

Pós-escrito: essa foi uma das primeiras críticas de uma versão anterior desse blog. Muita ingenuidade esperar algo de bom desse filme. O marketing se baseava no ator James Caviezel, que havia interpretado A Paixão de Cristo. Aproveitando-se, também, do então lançamento de Velozes e Furiosos. De um lado, Jesus, do outro, carrões envenenados. Bons tempos.

quinta-feira, 1 de fevereiro de 2024

Bem-vindos ao Código Cage


Um dos piores filmes que já vi em minha vida – Willy's Wonderland: Parque Maldito – caiu como uma provocação, um convite para desvendar o código Cage. Na série Community, quinta temporada, há um episódio no qual discute-se a qualidade da atuação de Cage: gênio ou canastrão?

Tendo em vista a quantidade de filmes dos quais ele participou nos últimos anos, a proposta aqui esboçada é fazer uma análise in loco do protagonismo de Nicolas Cage. Uma das lendas urbanas, alimentada por ele próprio, ao que parece, seria que a crise da bolha imobiliária de 2008 o endividou. Desde então ele trabalha para pagar os boletos.

Verdadeira ou não, essa historieta lança luz a uma questão interessante: é possível proletarizar o estrelato hollywoodiano? Atores proletários existem, mas nos referimos aqui às “grandes estrelas”. E mais, o que teremos de Cage ao assistir todos os seus filmes?

E o mais importante: tal tarefa será divertida?

Bem-vindos ao Código Cage, pois a cinefilia também se alimenta de bizantinices.

terça-feira, 30 de janeiro de 2024

Denominador comum: é o hábito que faz as monjas.

 

Nunsploitation ✝💋

A freira (The Num), 2018. De Corin Hard.

Benedetta, 2021. De Paul Verhoeven

As freiras alguma vez já convenceram alguém? O convento feminino é um lugar muito instigante para se estar. Várias mulheres encalacradas, sexualmente reprimidas e sem muita coisa para fazer além dos regalos domésticos e litúrgicos.

Umas freirinhas bem sisudas, dirão alguns ingênuos. Garotas da pesada, insinuarão os cínicos de plantão. Boccacio já menciona essas meninas em pavorosa para dormir com um jardineiro em Decameron (séc. XIV).

A tensão constituída entre os diversos imaginários acerca da mulher (Eva é Evil) é alimentada pelo mistério concernente às clausuras. Assim, ao longo da história, não é incomum encontrar poemas eróticos atribuídos a alguma soror. Uma importante referência da literatura libertina é o livro Tereza Filósofa (1748) que trata de uma religiosa em (de)formação.



(livrinhos sobre freirinhas)

“Freiras gradeiras” era uma expressão dos séculos XVII e XVIII acerca do hábito das religiosas em empoleirar nas grades dos conventos para conseguir um intercurso sexual com um audaz amante. A arquitetura monástica objetivava criar barreiras para preservar o questionável decoro dessas esposinhas de Xristós.

O subgênero cinematográfico nunsploitation veio a serviço de alimentar a imaginação acerca da vida secreta das freiras. Filmes apelativos, porém eficazes para explicitar os não ditos que as produções “sérias” raramente abordavam. Tiveram seu auge na década de 1970, mas podemos encontrar um exemplar mais refinado em Maus hábitos (1983) de Almodóvar.

Por isso, um filme como A Freira (Corin Hardy, 2018) peca pelo convencionalismo: irmãs religiosas em luta contra mais um assecla do diabo no pós-Segunda Guerra. O maligno se manifesta em um ambiente isolado, colocando as irmãs na obrigação de tentarem represar o capetão. No filme ele se manifesta como uma figura freirática que aterroriza com uma expressão cadavérica. Não há muito lugar para a sedução. É a luta do bem contra o mal no qual o bem leva uma surra.

Uma noviça com visões de Maria é a engrenagem necessária para fechar a passagem para o inferno. E esse processo se dá justamente pela repressão da sexualidade e individualidade. É muito trabalho para achincalhar a vida das freiras.

Já em Benedetta (Paul Verhoeven, 2021) temos a história de uma irmã do convento Teatino que é tocada por imagens de Jesus enquanto se envolve de forma carnal com uma outra noviça. Aqui temos a inspiração do velho Diabão (não Lúcifer ou seus asseclas, mas o Dr. Freud) nos brindando com os lugares comum de repressão sexual e loucura.

O desenvolvimento da narrativa nos leva a entender que a personagem que dá nome ao filme é uma mulher torturada pela potência do desejo e pela mística do divino. O canal para sua sexualidade são as visões religiosas e é com o sexo que ele obtém a transcendência.

A Freira é um filme que se fragiliza muito em função da monotonia dos personagens. A própria criatura a ser derrotada não parece muito convincente. Um diabo que se transformou em freira e que fica de um ponto ao procurando uma rota de saída para o mundo profano.

Benedetta, por sua vez, não consegue trazer o dilema das freiras para um plano histórico real. Sem querer enumerar os anacronismos, tudo fica dependente da pulsão sexual não realizada. A jovem religiosa fica perdida entre o engodo e o autoengano. Suas estripulias, de fato, são mais mortais do que as travessuras do diabo vestido de diabinha, digo de freirinha.

Em ambas as películas fica a dúvida: qual é a força dessas meninas para prover resistência ao pecado? Esboçam uma certa relutância ao mal, e na cena seguinte já se entregam aos prazeres da perdição. De fato, não há como conferir horror ou tragédia a mocinhas que caem tão rápido.

É até melancólico ver como as “noivas de Xristós” aparecem como sujeitos definidos exclusivamente pela relação com a ordem religiosa – explicitado no colocar e retirar a vestimenta. Por fim, o que temos é a sugestão de que o horizonte de heresia é somente o recalque ao sexo. Nem é preciso enunciar alguma visão do mundo realmente contestadora, pois no fim a ordem deve prevalecer.

Assim, seria preciso ir ao encontro do nunsploitation para verificar qual é o limiar anárquico desse projeto que tem tudo para ser apenas mais uma tirada fetichista.