Nunsploitation ✝💋
A freira (The Num), 2018. De Corin Hard.
Benedetta, 2021. De Paul Verhoeven
As freiras alguma vez já convenceram alguém? O convento feminino é um lugar muito instigante para se estar. Várias mulheres encalacradas, sexualmente reprimidas e sem muita coisa para fazer além dos regalos domésticos e litúrgicos.
Umas freirinhas bem sisudas, dirão alguns ingênuos. Garotas da pesada, insinuarão os cínicos de plantão. Boccacio já menciona essas meninas em pavorosa para dormir com um jardineiro em Decameron (séc. XIV).
A tensão constituída entre os diversos imaginários acerca da mulher (Eva é Evil) é alimentada pelo mistério concernente às clausuras. Assim, ao longo da história, não é incomum encontrar poemas eróticos atribuídos a alguma soror. Uma importante referência da literatura libertina é o livro Tereza Filósofa (1748) que trata de uma religiosa em (de)formação.
Por isso, um filme como A Freira (Corin Hardy, 2018) peca pelo convencionalismo: irmãs religiosas em luta contra mais um assecla do diabo no pós-Segunda Guerra. O maligno se manifesta em um ambiente isolado, colocando as irmãs na obrigação de tentarem represar o capetão. No filme ele se manifesta como uma figura freirática que aterroriza com uma expressão cadavérica. Não há muito lugar para a sedução. É a luta do bem contra o mal no qual o bem leva uma surra.
Uma noviça com visões de Maria é a engrenagem necessária para fechar a passagem para o inferno. E esse processo se dá justamente pela repressão da sexualidade e individualidade. É muito trabalho para achincalhar a vida das freiras.
Já em Benedetta (Paul Verhoeven, 2021) temos a história de uma irmã do convento Teatino que é tocada por imagens de Jesus enquanto se envolve de forma carnal com uma outra noviça. Aqui temos a inspiração do velho Diabão (não Lúcifer ou seus asseclas, mas o Dr. Freud) nos brindando com os lugares comum de repressão sexual e loucura.
O desenvolvimento da narrativa nos leva a entender que a personagem que dá nome ao filme é uma mulher torturada pela potência do desejo e pela mística do divino. O canal para sua sexualidade são as visões religiosas e é com o sexo que ele obtém a transcendência.
A Freira é um filme que se fragiliza muito em função da monotonia dos personagens. A própria criatura a ser derrotada não parece muito convincente. Um diabo que se transformou em freira e que fica de um ponto ao procurando uma rota de saída para o mundo profano.
Benedetta, por sua vez, não consegue trazer o dilema das freiras para um plano histórico real. Sem querer enumerar os anacronismos, tudo fica dependente da pulsão sexual não realizada. A jovem religiosa fica perdida entre o engodo e o autoengano. Suas estripulias, de fato, são mais mortais do que as travessuras do diabo vestido de diabinha, digo de freirinha.
Em ambas as películas fica a dúvida: qual é a força dessas meninas para prover resistência ao pecado? Esboçam uma certa relutância ao mal, e na cena seguinte já se entregam aos prazeres da perdição. De fato, não há como conferir horror ou tragédia a mocinhas que caem tão rápido.
É até melancólico ver como as “noivas de Xristós” aparecem como sujeitos definidos exclusivamente pela relação com a ordem religiosa – explicitado no colocar e retirar a vestimenta. Por fim, o que temos é a sugestão de que o horizonte de heresia é somente o recalque ao sexo. Nem é preciso enunciar alguma visão do mundo realmente contestadora, pois no fim a ordem deve prevalecer.
Assim, seria preciso ir ao encontro do nunsploitation para verificar qual é o limiar anárquico desse projeto que tem tudo para ser apenas mais uma tirada fetichista.