terça-feira, 23 de maio de 2017

Darkman


Darkman, 1990. EUA. De Sam Raimi

Conforme dito no texto inaugural da temporada de críticas 2017 há algumas recorrências que pretendo discutir nesse blog.

Um dos aspectos a serem discutidos é o apego aos heróis como os únicos agentes sociais possíveis. Trata-se de um hiper-realismo no qual toda a ação encontra-se dependente do desprendimento, altruísmo e nacionalismo de seleto grupo de super-seres. Os elementos podem ser cambiados e há até espaço para os anti-heróis, mas o sentido básico permanece: a atuação está restrita aos escolhidos, usem ou não cueca vermelha sobre a calça.

Nesse sentido a necessidade de retornar ao filme de 1990 de Sam Raimi, no qual havia espaço para exageros gráficos que muito destoam do hiper-realismo atual. Além disso, há algo de trash no filme, como os agressivos travelings e os efeitos visuais irregulares (fracos para os padrões atuais). Além disso, Darkman, o homem sem face, parece mais com o coringa de Jack Nicholson, com uma risada grotesca perante a desfiguração do seu rosto. A deformidade e o desespero psicológico do herói o aproximam das figuras freaks do circo americano.

O roteiro e o desenvolvimento da narrativa são elementares, prevalecendo as motivações absurdas e os vilões estereotipados. Envolvido em uma trama de gangsteres e especuladores imobiliários que não faz muito sentido, Peyton Westlake (Liam Neeson) acaba transmutado em Darkman, do médico ao monstro. Mas isso não importa, pois conforme quero destacar, é um filme que não se leva a sério ao percorrer por variações temáticas já presentes em The Evil Dead (1981) ou Evil Dead II (1987). Mais tarde seriam retomadas em Army of Darkness (1992).

É necessário Destacar que Sam Raimi conhecia muito bem os atrativos do cinema trash, aquele tipo de entretenimento que agradava os adolescentes de então. Contraditoriamente ele é um dos pioneiros na nobilitação do subgênero de super-herói com Homem-aranha (2002).

Portanto, compete apontar que o atual hiper-realismo dos filmes de super-heróis têm origens no trash juvenil dos anos oitenta. Façam as conexões! Vejamos sobre quais bases estéticas repousam a atual sensibilidade cinematográfica.

Cotação: não se aplica

sábado, 6 de maio de 2017

Robocop






Robocop, 2014. EUA. De José Padilha

Robocop é um excelente filme sobre as relações entre Estado e corporações privadas, além disso, consegue tematizar com muita propriedade a “condição ciborgue” do mundo em que vivemos. Superior ao original de 1987, essa versão apresenta um roteiro mais sólido e menos apressado. A construção da personalidade do Robocop (a tensão máquina-homem) é detalhada na primeira parte do filme.

O mundo revelado em Robocop sugere as relações estreitas entre a mídia, o conservadorismo e o interesse da indústria bélica. Há também uma contraposição entre a sociedade americana (se sustentando, ainda, como uma democracia) e o resto do mundo, um quintal aberto aos interesses imperialistas dos Estados Unidos. Aliás, arrisco dizer que o preâmbulo – quando as máquinas de guerras americanas entram em operação no estrangeiro – é o melhor momento da narrativa.

Os vilões também merecem destaque ao se afastarem dos desgastados esquadros maniqueístas. O cientista Gary Oldman, por exemplo, revela uma preocupação com seu paciente (Detive Murphy/Robocop), priorizando, no entanto, sua própria reputação de pesquisador. Já Michael Keaton se transforma em um inescrupuloso executivo, disposto a tudo para alcançar seus objetivos, mas também capaz de fornecer uma segunda chance aos inimigos, propondo os caminhos mais favoráveis para a rendição.

O desfecho do filme traz a ostentação do nacionalismo americano sob um prisma negativo. É testemunho da coragem de José Padilha em atacar um ponto nevrálgico do imaginário estadunidense: a percepção de que seriam eles os protetores do mundo.

Mas é uma pena que o enredo principal gire em torno de uma perseguição aos criminosos que atentaram contra o detetive Murphy (depois transformado em Robocop). Com efeito, as histórias de vingança continuam em alta! O que não deixa de ser uma contradição, pois se a “mensagem” do filme é a sanha militarista americana, a noção de vingança como um ato legítimo não é questionada em momento algum.

Nesse sentido, as falas do jornalista Patrick Novak (Samuel L Jackson) defendendo a agressão a todos os que ameacem a América continuam fazendo sentido. Pois ao fim e ao cabo o imaginário da "guerra justa" continua intocável, persistindo a fantasia do ciborgue vingador.

Hollywood não pode escapar de seus compromissos políticos, ainda que eventualmente flerte com um esquerdismo antimilitarista.

Cotação: bom.

quarta-feira, 19 de abril de 2017

Morris from America





Morris from America, 2016. Alemanha, EUA. De Chad Hartigan 
             
Morris from America é um filme despretensioso, mas muito eficiente na construção de uma narrativa acerca do estranhamento. Trata-se da história de Morris, um afro-americano de 13 anos quemorando com o pai em Heidelberg, vivencia a dificuldade de adaptação, a experimentação de drogas e o despertar sexual.

Deparando-se com a alteridade, o garoto refugia-se em sua identidade étnica e cultural, uma estratégia de ressignificação do cotidiano. Insistindo em colocar-se como um “gangster”, ele é um ouvinte de rap em meio ao público da música eletrônica. Sua condição de estrangeiro não poderia ser maior, já que a música parece ser um dos principais eixos de ligação entre os jovens.

Gentry, o pai de Morris, é um técnico de futebol que tenta educar o garoto a partir de valores específicos e, naquele contexto, deslocados: trata-se da cultura urbana negra dos norte-americanos. Portanto, Gentry é um personagem contraditório, pois exige a obediência do filho ao mesmo tempo em que instiga a irreverência. Para isso ele expõe a própria trajetória de rapper juvenil e aventureiro.

Aliás, há uma passagem problemática (talvez a única), quando Gentry se recusa a ouvir as alegações de Inka, a dedicada e inteligente professora de alemão, quanto aos textos misóginos escritos por Morris. Desenha-se nitidamente a arrogância americana ao rechaçar as censuras feitas por Inka. O subtexto é óbvio: a misoginia precisa ser aceita no cenário rap.

Morris encontra-se perdido na bela cidade de Heidelberg, depara-se com o bullying dos alemãezinhos e a má vontade dos adultos. Mas é na paixonite do garoto pela nativa Katrin que está a chave para a imersão no mundo jovem alemão. Uma forma eficaz de revelar as diferenças culturais entre as adolescências americana e europeia.

Com um roteiro livre dos clichês, Morris from America expressa o lado poético e melancólico da juventude. Além disso, graças às personagens bem construídos, a adaptação e a alteridade aparecem como dimensões contraditórias: excitantes e amedrontadoras.

A compreensão quanto à globalidade da cultura afro-americana referencia a já aludida arrogância americana, mas não deixa de ser engraçado a postura de Morris com relação a Alemanha. Sua má vontade fica evidente no semblante carregado e no mau humor de um pré-adolecente. Enfim, um "gangster" com uma pistolinha de água. Eis o Novo Mundo ameaçando o Velho...

Cotação: Bom