sábado, 4 de abril de 2009

Fome animal


Fome Animal (Dead Alive), 1992. Nova Zelândia. De Peter Jackson

Tem filme que foi feito por cinéfilo e para cinéfilo, o público usual simplesmente não entende qual o fascínio uma produção ao estilo de Fome Animal é capaz de exercer.

Posso dizer que estamos diante de um clássico dos filmes de zumbis, possível e ironicamente o melhor trabalho de Peter Jackson, infelizmente mais conhecido por ter contado uma história sobre garotos descalços, anéis e elfas peitudas...

Um filme cheio de citações divertidíssimas: vemos um rapaz filho de uma mulher castradora, eles moram em uma casa no alto da colina (Psicose). Também vemos um carrinho de bebê meio sinistro, em seu interior esconde-se uma assustadora criatura (O bebê de Rosemary), isso sem falar do diálogo – se voluntário ou ao acaso, isso não importa – com o excelente A morte do demônio de Sam Raimi.

Lionel é um bom rapaz, porém facilmente dominado pelas pessoas, sobretudo se forem mulheres. Além de ser tiranizado pela sua mãe ainda há os encantos da jovem Paquita – cujo nome, carinha e atuação parecem lembrar os atributos de uma atriz pornô.

Entretanto, um raro macaco da Sumatra (!) mordisca o braço da mãe de Lionel, a Senhora Cosgrove, que se transforma em um... isso mesmo, não precisa nem continuar...

Essa grotesca velha desenvolve uma apetência bem incomum, atacando várias pessoas ao seu redor e, naturalmente, infectando-as. Enquanto isso, a versão neozelandesa de Norman Bates (personagem de Psicose) esforça-se para conter sua genitora e as pessoas por ela agredida, mas sua inépcia faz com que os problemas assumam dimensões cada vez mais desastrosas.

Vale lembrar que Peter Jackson se preocupa em fornecer todos os detalhes para o espectador. Um navio negreiro parou em uma Ilha da Sumatra, ratos gigantescos desceram e estupraram as macacas nativas, desse cruzamento surgiu uma rara espécie capaz de transmitir a peste dos mortos vivos. Quando um desses animais é capturado e levado ao zoológico da Nova Zelândia, os problemas começam. A história se passa em 1957, o que acresce um ar especial ao cenário, ao retratar um modo de vida bem ao estilo do American Way of Life.

Os personagens são muito bem desenvolvidos, mesmo aqueles que aparecem em uma única cena cumprem seu papel, ao exemplo do veterinário nazista. Mas bacana mesmo é o padre que decide “Dar porradas nos zumbis em nome de Deus” ou algo do gênero.

Podemos dizer que Lionel Cosgrave é o oposto de Ash Willians, o personagem do já citado A morte do demônio, um conquistador de mulheres que não tem pejos em mandar os possuídos para o outro mundo. O protagonista de Peter Jackson, no entanto, só se aproxima do seu contra-exemplo nos momentos finais quando, de posse de um cortador de gramas, passa a proferir frases de efeito ao estilo do nosso querido Ash.

O confronto final fica por conta de Lionel com sua mama, que tenta devolvê-lo ao seu ventre, de um jeito ou de outro. Mas até chegar nesse momento, todos os exageros do gore terão sido mostrados... dando enjôos nos estômagos mais fraquinhos e desavisados.

Um filme primoroso, mas que infelizmente tende a agradar somente os fãs do gênero ou os cinéfilos de carteirinha.

Ainda bem que não sou nenhum desses dois...

Cotação: Ótimo

sábado, 21 de março de 2009

Gran Torino



Gran Torino (Gran Torino), 2008. EUA. De Clint Eastwood

O filme interessa para os estudiosos do cinema, uma vez que ele é extremamente autoral, isto é, visita temas recorrentes da filmografia do diretor/ator Clint Eastwood. No entanto, não há como não apontar as gritantes falhas dessa produção.

A grande pergunta é se Walt Kowalski (interpretado pelo próprio Eastwood) é, de fato, um homem durão ou se trata somente de um babaca genuinamente americano. A história começa em um templo católico com uma missa de corpo presente, o velório da Sra. Kowalski. Enquanto as pessoas se voltam para o altar, acompanhando a pregação do jovem e titubeante padre Janovich, o recém viúvo prefere encarar seus parentes, com um rosnado mal humorado e um olhar de desaprovação direcionado para minúcias sem importância, como o pircing no umbigo de sua neta.

Se nem a morte da “mulher mais maravilhosa do mundo”, como será dito em algum momento por Kowalski, consegue desarmar sua carranca, tudo mais cai no implausível. O personagem acaba por soar muito caricato, uma auto-paródia de todos os tipos vivenciados por aquele ator. Se “Walt” é divertido para o espectador – afinal suas más respostas e seu mau humor surpreendem e fulminam – o mesmo não pode ser dito para as pessoas que são obrigadas a conviver com ele. Não há paciência de Jô que suporte alguém que se refira aos outros norte-americanos como “chinas”, “negrinhos” ou chicanos... Não fica claro se a postura do protagonista transmite um racismo sincero ou apenas revela uma de suas facetas de “cara durão”, mascarando seus verdadeiros sentimentos.

Walt Kowalski insiste em morar em seu antigo bairro, que agora está completamente esvaziado dos bons (e brancos) americanos. A comunidade foi tomada por descendente de mexicanos, negros e imigrantes do Laos (Ásia). Claro, onde não há o homem branco prevalece a

Bagunça.

Sim. Casas descuidadas, brigas de gangues e atos primitivos. Pelo menos na interpretação do nosso amigo “Walt” – que só não é 100% USA por ser descendente de polonês e católico.

Seu cotidiano consiste em ganir para os vizinhos, beber cerveja, cuidar de seu gramado e polir seu carro Gran Torino 1972. Até que ele começa a se envolver com seus vizinhos, descendentes de um povo chamado hmong. Os irmãos Sue e Thao conquistam a simpatia desse recluso rabugento. Com dificuldade em relacionar com seus filhos, que parecem não têm o menor tato para lidar com o pai, Kowalski acabará por encontrar algum conforto no convívio com a família Lor.

Mas aí é que a vaca vai pro brejo (e o filme também), porque esqueci de mencionar que esse aposentado ex-operário da Ford tem uma predileção por andar armado e apontar suas guns na cara (ou devo dizer fuças?) do primeiro pobre coitado que ameace a compurscar seu american drean. Problema é que Sue e Thao estão sendo perseguidos por uma gangue local, e o octogenário se sente apto a interferir nessa situação.

Nesse meio tempo Kowalski decide transformar Thao em homem, leia-se ensiná-lo a usar ferramentas, a falar palavrões (uhu! Que macho!) e a paquerar garotinhas incautas (bem, essa lição eu também gostaria de aprender). Enfim, nem drama e nem comédia: mas uma tragicomédia!


[Amerika: the car, the gun and the flag!]

O desafio que a narrativa coloca para o protagonista é grande demais, não há como ele vencer uma gangue de rapazes fortemente armados.

Aí está Clint Eastwood, aí está a auto-confissão de que estás velho.

Com cinco anos a menos, Kowalski seria o treinador sisudo que prepararia o jovem Thao para massacrar os bárbaros também asiáticos.

Com vinte anos a menos, Kowalski seria o sargento durão (vide O destemido senhor da guerra) que entraria no gueto com um fuzil militar dilacerando a carne dos malditos chinas.

Com quarenta anos a menos, Kowalski seria o policial machão, uma pistola em cada mão, chute na porta e bala nos meliantes, depois viriam as outras viaturas para ensacar os corpos.

Com cinqüenta anos a menos, Kowalski seria o cawboy implacável, um revolver, seis balas e a determinação, o resto já se sabe.

Porém, com uns 80 anos, não há muito a ser feito. Suas atitudes são, portanto, inconseqüentes e sugerem um alheamento do mundo próprio dos senis. O único personagem que parece pensar é o padre, que pergunta “Por que você não chamou a polícia?”, pergunta óbvia, mas com resposta igualmente evidente: porque Walt Kowalski se julga capaz de resolver o problema das gangues ao mesmo tempo em que protege seu gramado.

Não há nem muitos elementos para justificar sua personalidade agressiva, apesar de ter participado da Guerra da Coréia, no restante de sua vida ele viveu como um civil, tendo trabalhado em um “emprego comum”. Nada que explique esse comportamento, excetuando, claro, a crença em uma América linda, rica, ostentosa e segregacionista, porém perdida, existente somente ao nível da memória.

Daí o Gran Torino, carro americano por excelência, outra relíquia do passado.

Cotação: fraco

Motoqueiro Fantasma


Motoqueiro Fantasma (Ghost Rider), 2007. De Mark Steven Johnson

Bem, eu poderia falar sobre esse filme. A constante estrutura da Marvel: pegue seus super-heróis, crie um drama estereotipado em sua volta e pronto. Sirva ao público e eles haverão de gostar.

Por isso, ao invés de falar de Motoqueiro fantasma, eu narrarei os

Bastidores do cinema ou o que eu senti assistindo ao filme

Estou sozinho em casa, sentado, com os pés sobre a escrivaninha. Em minha frente o computador está ligado, tenho um longo trabalho a fazer e a única coisa que eu digitei foi asdfg.

Dou uma espreguiçada. O celular toca. Quase nunca toca, mas naquele momento tocou.

Eu atendo: “What’s up?

É uma voz feminina. Não. É uma linda voz feminina.

Cinema, hoje, que tal?”

A voz feminina só não é mais linda que a sua dona. Consigo balbuciar um sim.

Local X, hora Y, ok?

Como um bom favelado, só consigo pronunciar: “Demorô”.

Estou em frente ao cinema, ela vem se aproximando. She is so pretty. Pergunto a ela o que quer assistir. Se ela me convidasse para um pacto suicida, a única coisa que eu perguntaria seria o traje adequado para a ocasião.

Infelizmente ela não propôs um pacto de morte, mas sim que assistíssemos Motoqueiro Fantasma.

No problem. Ver um filme ruim em uma boa companhia é quase o mesmo que ver um ótimo filme com uma péssima companhia – bem.... na verdade não, mas naquele momento eu tentei me enganar.

Lógico que minha expectativa quanto ao filme não era das melhores. Estava mais preocupado com os olhos azuis da minha companhia e o batom cor de néon que ficava tilintando em seus lábios.

Fila. Ela quer comprar pipoca. Fosse outra pessoa: eu começaria a rir, perguntaria se também iria tomar Coca, provaria por a+b que cinema não é lugar de comer, e por fim arremataria com a crítica à vinculação entre cinema e fast food.

“Vai beber o que?” Pergunto...

Fila. Ela diz: “Isso é tão ridículo, não acha?”, ela me aponta um casal de namorados, “Aquela menina é tão branquinha, junto com um cara tão escurinho”.

Desolação, ela é nazi, é racista. Seria eu capaz de me envolver com uma mulher que defende o Apharteid? Que legitima o nazismo? Que questiona o sagrado e universal princípio de que todos os homens são iguais? – nossa, ela tem um pé tão bonitinho... por que não? Ninguém é perfeito...

Desconverso. Dentro do cinema, sentamos. Então ela inicia sua explanação sobre seus filmes preferidos: eles envolvem perseguição de carros, explosões, cenas de lutas fulminantes, musiquinhas dançantes e efeitos especiais estrondosos.

Hum... se uma cinéfila fizesse meu tipo eu daria em cima da Sofia Copolla...

Bem, infelizmente não se limitou a isso. Eu tive que aturar meia hora de mastigados estrondantes de pipoca, ela não desligou o celular (que a propósito, em um determinado momento tocou – se ela tivesse atendido tudo teria acabado ali mesmo). Por fim, a gota d’água: quando o motoqueiro fantasma desce uma inclinação de 90º graus – sim, sua moto pode subir e descer prédios por um “dá cá a palha” – ela não se conteve e deu um gritinho.

Uhh

Deus, tudo, menos isso. Uma coisa é negar o holocausto, a outra é gritar no cinema. Concluo que nunca daria certo.

Fim do filme – o bem vence o mau, ou o mau vence a si mesmo e se torna o bem... ah quem se importa!

Ela diz que gostou da minha companhia, diz que teríamos que fazer isso mais vezes. Eu respiro fundo e me armo para dizer a verdade. Ela joga o cabelo para traz de uma maneira tão sui generis que eu percebo o quanto sou intransigente. Não posso fazer juízos de valor de forma tão precipitada. Me aprumo e digo: “Com certeza, devemos fazer isso mais vezes”.

Que bom, agora eu tenho que ir, marquei de encontrar com meu namoradinho daqui a meia hora”.

“What? What? What’s hell?”

Eu caio de joelhos ao chão, sinto uma tremenda febre, sai fumaça da minha jaqueta, meu corpo está em chamas. Minha cara é uma bola de fogo. Sim! Eu sou o motoqueiro fantasma. Saio correndo pelo saguão com uma risada diabólica e salto bem em cima da minha moto (eu nem não sabia que tinha uma...).

Percorro a cidade em minha fantasmagórica motocicleta, percebo que sou um amaldiçoado, o filme, finalmente, faz todo o sentido para mim.

Cotação: péssimo

Pós escrito: minha crítica favorita, a mais verdadeira, até hoje tenho traumas com essa experiência.