domingo, 13 de julho de 2008

Hancock

Hancock (Hancock), 2008. EUA. De Peter Berg.

Sexta-feira, região metropolitana de Belo Horizonte, estou em um Grande Shopping, na fila eu e mais uns tantos gatos pingados.

- Esqueci minha carterinha de estudante dona, digo temerosamente.

- Não tem problema, entra aí...

De fato, pensa a funcionária, antes meia-entrada do que nada... parece que o risco de falência flexibilizou critérios antes severamente cobrados. Há até uma poesia em um cinema que passa cópias dubladas de Hancock e cujas cadeiras são ocupadas por pequenos grupinhos de adolescentes em burburinhos que, no ápice dramático da projeção, pronunciam emocionadamente: “Pô véi, ele tá pedindo disculpa na humildade”...

Sim, John Hancock, interpretado por Will Smith, é alguém para os six-teen years se identificarem. Um herói bêbado que ameaça seus antagonistas com a frase: “Vou enfiar sua cabeça na bunda dele”; para o delírio do público, é claro.

Hancock é o Casablanca dos tempos atuais. Imaginem se Humprhey Bogart, ao invés de possuir um bar, tivesse poderes e saísse pela França desocupada executando ações mal-direcionadas de heroísmo. Durão, mas no fundo um sentimental. Novamente um triângulo amoroso mal resolvido e no qual a mulher – não importando a sua intrepidez – deixa as derradeiras decisões nas mãos dos homens.

Em suma, filme indeciso quanto ao seu gênero, pois, na primeira metade se apresenta como uma comédia, e nesse propósito até que é eficiente, mas nos atos finais passa a se levar a sério ressaltando algumas nuances dramáticas na pretensão de reviver as trajetórias dos heróis gregos. Falhas de roteiro a parte, a dificuldade de optar pela fábula ou pelo realismo fantástico se revela como o grande empecilho para a efetivação da proposta inicial (seja lá qual for!). O trabalho até que tem bons momentos, com atuação satisfatória de Smith que consegue transitar entre o burlesco e o trágico.

[Imagem acima: Humprhey Bogart e Ingrid Bergman, Will Smith e Charlize Theron - amores impossíveis. Caberá à figura masculina a decisão correta, pautada por uma ética sui generis]

Com desfecho conformista e chauvinista – viva a decisão masculina, a contenção das paixões, e o modelo convencional de família – os momentos finais eliminam toda e qualquer analogia com o drama ou a tragédia. O que resta é um otimismo meio bobo.

Mas para um filme dublado em um Shopping vazio e repleto de adolescentes, Hancock cumpre sua função: provoca as risadas, umedece as pálpebras e desperta nas novas gerações o reconhecimento da supremacia masculina e as benesses da fidelidade conjugal. Will Smith ensina que os brutos também amam.

Pedagogia cristã, a preços módicos e ao alcance de todos.

Cotação: Fraco

Procura-se Amy


Procura-se Amy (Chasing Amy), 1997. EUA. De Kevin Smith

Os três filmes de Kevin Smith que assisti – Dogma, O Império (do Besteirol) Contra Ataca e Menina dos Olhos – não foram muito animadores. Tanto que nunca me interessei em conhecer outros trabalhos desse diretor.

Porém Procura-se Amy é uma comédia romântica consistente o suficiente para redimir todas as suas nulidades anteriores e posteriores.

Comecemos pelo final. Não há o happy end costumeiro, Smith encontra uma forma inteligente de quebrar os clichês do gênero. Não vale a pena contar o final, mas posso adiantar que as comédias românticas iludem o espectador com desfechos irrealistas. Paixões e suspiros correspondidos só funcionam na tela do cinema, A Rosa Púrpura do Cairo está aí, para não nos deixar esquecer essa lição de Woody Allen.

Porém, neste caso específico, o final é uma premissa coerente da história. O enredo consegue trabalhar muito bem com a tensão entre uma forma moralista e outra mais “esclarecida” de compreender os relacionamentos humanos.

Procura-se Amy não é um filme sobre declarações de amor, mas sim sobre o fracasso dessas declarações. Falar a verdade, confessar, explanar suas emoções, ao contrário da estrutura clássica do gênero, não conduz a uma situação de concórdia ou amor. A confissão implica em se expor ao trágico e ridículo, ao isolamento e a vergonha.

Um cinema muito pessoal, pois o diretor – que assim como Tarantino, não consegue ir muito além das referências pops – faz poesia a partir de motivos escatológicos. O tema é o esdrúxulo, uma desvinculação definitiva entre amor e sexo. Um ataque frontal a ideologia reacionária do gênero, com suas eternas Megs Ryans e Sandras Bullocks, renovadas a cada década.

Prefiro não comentar nada sobre o filme e deixar as surpresas – que aparecem de forma gradual – para o expectador desavisado. Mas que fique o lembrete de que não são pelas nossas expectativas que o filme se resolve. É um filme sobre procura, mas só sobre a procura.

Cotação: Bom

sábado, 14 de junho de 2008

Fim dos Tempos


Fim dos Tempos (The happening), 2008. EUA. De Nigth Shyamalan

Shyamalan decidiu mostrar que ele não é Steven Spielberg e que seu cinema passa muito longe da assepsia inaugurada pelos “filmes famílias”. Em seus atos iniciais Fim dos Tempos causa incômodo ao expectador, mostrando cenas de violência de um modo que o público médio está desacostumado. Em determinado momento um personagem liga um cortador de grama e deita ao chão, esperando ser dilacerado, achamos que a cena será subentendida, mas o cineasta faz questão de mostrar o trucido.

O enredo discorre sobre ondas de suicídio que estão varrendo as grandes e pequenas cidades do leste americano. Sem explicações aparentes, as pessoas assumem um estado de transe e passam a buscar formas violentas de se matarem. Em meio ao caos provocado por esses impulsos auto-destrutivos da sociedade, uma família genuinamente americana busca a segurança nas áreas não afetadas. Um itinerário batido, que em alguns momentos chega a nos lembrar o decepcionante Guerra dos Mundos (2005) ao revelar a impotência dos personagens em um contexto que lhes é hostil.

O pano de fundo aborda a questão da preservação do ambiente, os próprios protagonistas percebem as possíveis correlações entre a ação humana e a resposta da natureza. Raciocínio simplista e mecanicista, típico de um professor de ciências de uma High School, aliás, personagem principal do filme, interpretado por Mark Wahlberg. De qualquer forma cumpre o objetivo de fornecer uma pseudo explicação para o evento.

A principal debilidade do filme reside nas limitações das premissas, pois a narrativa se resigna a mostrar a fuga das multidões, focando em um grupo específico e, providencialmente, eliminando aqueles pobres personagens que só entraram na história para receberem uma morte violenta...

No ato final, surge uma nova personagem, acrescentando uma sub-trama completamente desnecessária que, inclusive, assemelha-se ao lunático de Guerra dos Mundos, interpretado por Tim Robbins. Trata-se da senhora Jones, uma eremita que dá abrigo aos fugitivos, relevando um comportamento imprevisível e ameaçador – aliás, por um momento receei que ela pudesse ser um fantasma (vide Sexto Sentido) ou então uma super-vilã (vide Corpo Fechado)... mas ela só aparece na história para dar uns sustos extras no público (a essa altura, já maçado pela ausência de novos happenings).

O desfecho tem o sabor de um anticlímax, sem apresentar um desafio final interessante e com uma resposta muito absurda para os problemas levantados ao longo da projeção. Depois de 70 minutos focados em um único grupo, parece coerente (para o expectador) aceitar que, se eles se safarem, o final pode ser considerado feliz, isto é, cai o pano sem maiores preocupações. A macro questão insinuada durante toda a narrativa – o alerta de Gaia contra o homem – se perde em meio a notícia final de uma gravidez. Temos um filme para a família e sobre a família, importa a preservação de alguns, o resto é desculpa, contextualização básica para as desventuras americanas.

Guerra dos Mundos, mas com um pitadinha de Shyamalan. Nada de mais, nada de menos.

Cotação: regular