Quem bate à minha porta? (Who’s that knocking at my door), 1968. De Martin Scorsese.
Em vários sentidos Quem bate à minha porta? é datado. É quase uma monografia de fim de curso, quando o Jovem Martin Scorsese terminava sua graduação em Cinema pela Universidade de Nova Iorque. Esse filme usa e abusa da maioria dos recursos da linguagem cinematográfica. O plongée, o traveling, o primeiríssimo plano, a montagem paralela, o efeito slow, enfim, o cineasta parece aplicar todas as técnicas aprendidas na faculdade.
Não que isso seja um desmerecimento, pelo contrário, ainda que a narrativa seja embaçada pelo excesso de intervenções, o resultado final é bem inteligível ao telespectador. Fica evidente a presença do cinema experimental; a própria repetição de cenas (influência do cinema francês, com a Nouvelle Vague) é um exemplo.
Outro ponto de destaque são os diálogos, que se aproximam da linguagem banal do cotidiano, dando um certo frescor ao roteiro. Quando Keithel conversa com Zina Bethune sobre John Wayne, é quase um prelúdio do diálogo entre Christian Slater e Patrícia Arquette sobre Elvis Presley em Amor à queima-roupa. A propósito, os diálogos característicos de Quentin Tarantino são uma influência de Martin Scorcese.
A trilha sonora, por sua vez, fornece uma sincronia e uma unidade para as cenas, assumindo, às vezes, a velocidade de planos-relâmpagos. Aquelas músicas – que hoje diríamos: típica – dos anos sessenta constroem uma atmosfera que beira a psicodelia. A seqüência de sexo protagonizada pelo jovem Harvey Keitel expressa o olhar poético do diretor, que conjugou eficientemente som e imagem.
Outro ponto importante (que é um recorrente na filmografia de Scorsese) é desconstrução do cinema clássico. Não aquelas ousadias pueris de jovens videomakers, mas sim um diálogo inteligente com a “Era de Ouro” hollywoodiana. Rastros de ódio e O homem que matou o facínora – ambos de John Ford – são citados. O que é muito apropriado para um filme que fala sobre jovens pobres e desempregados que insistem em manter um código de conduta machista em plena década de revolução sexual.
O cineasta expressa a distância entre uma era mítica (de inocência perdida) e a realidade das ruas em toda sua crueldade. Keitel, interpretando J.R., é o primeiro personagem do diretor a ser dividido entre os valores religiosos e mundanos.
É um tolo rapaz, que dorme com prostitutas (ainda que contra sua vontade), mas repudia uma moça que foi estuprada. Aqui é o nascimento do personagem scorsesiano por excelência, invariavelmente contraditório e confuso.
Cotação: Bom
quarta-feira, 19 de setembro de 2007
sexta-feira, 14 de setembro de 2007
Os Simpsons - o filme
Os Simpsons – o filme (The Simpsons movie), 2007. De David Silverman
Há muito pouco para falar sobre esse longa, salvo que você dificilmente sairá aborrecido do cinema. O roteiro é bem elaborado, as piadas são oportunas, as referências às “celebridades” são válidas e as críticas ao governo norte-americano bem-vindas.
Porém, esse filme não consegue se caracterizar como uma narrativa cinematográfica. Trata-se de um episódio da televisão, ampliado para a telona e um pouco mais caprichado. Homer Simpson parece ter pego o espírito da coisa, no começo da história, ele e sua família estão no cinema assistindo ao longa do Comichão e Coçadinha, quando ele comenta que não faz sentido pagar por uma coisa que se pode ver de graça.
Talvez. Mas a verdade é que Os Simpsons – o filme é uma historinha muito divertida. O enredo retoma as primeiras temporadas, quando as peripécias eram o forte da série; que, a propósito, é muito mais interessante do que o humor negro e a iconoclastia gratuita que prevaleceram nos últimos episódios.
Contudo, não deixa de ser um despropósito esperar que um projeto para a televisão funcione como cinema. As complexidades inerentes a Sétima Arte, praticamente impedem que um produto anódino como esse tenha alguma expressão mais destacada.
Se nos ativermos em animações como A bela e a fera (1991), O Castelo Animado (2004) e mesmo Shrek (2001) veremos que são essas as produções que se aproximam de uma narrativa fílmica. Não só quanto ao roteiro, mas a própria direção revela uma seriedade maior – a intenção de criar uma composição, uma obra detalhada e menos caricatural. Não que a questão seja desmerecer Os Simpsons, pois a sua proposta foi clara desde o início: fazer um episódio final para encerrar um dos seriados de maior longevidade da televisão americana.
Uma vez aceito esses pressupostos, o trabalho para o crítico e o espectador fica fácil. Aos que sempre apreciaram as aventuras de Bart e companhia é mais do que aconselhável que vejam esse episódio final. Mas, para quem nunca foi fã desses personagens amarelos, o conselho de Homer prevalece: “por que pagar por algo que se pode ver de graça?”
Cotação: Fraco
Há muito pouco para falar sobre esse longa, salvo que você dificilmente sairá aborrecido do cinema. O roteiro é bem elaborado, as piadas são oportunas, as referências às “celebridades” são válidas e as críticas ao governo norte-americano bem-vindas.
Porém, esse filme não consegue se caracterizar como uma narrativa cinematográfica. Trata-se de um episódio da televisão, ampliado para a telona e um pouco mais caprichado. Homer Simpson parece ter pego o espírito da coisa, no começo da história, ele e sua família estão no cinema assistindo ao longa do Comichão e Coçadinha, quando ele comenta que não faz sentido pagar por uma coisa que se pode ver de graça.
Talvez. Mas a verdade é que Os Simpsons – o filme é uma historinha muito divertida. O enredo retoma as primeiras temporadas, quando as peripécias eram o forte da série; que, a propósito, é muito mais interessante do que o humor negro e a iconoclastia gratuita que prevaleceram nos últimos episódios.
Contudo, não deixa de ser um despropósito esperar que um projeto para a televisão funcione como cinema. As complexidades inerentes a Sétima Arte, praticamente impedem que um produto anódino como esse tenha alguma expressão mais destacada.
Se nos ativermos em animações como A bela e a fera (1991), O Castelo Animado (2004) e mesmo Shrek (2001) veremos que são essas as produções que se aproximam de uma narrativa fílmica. Não só quanto ao roteiro, mas a própria direção revela uma seriedade maior – a intenção de criar uma composição, uma obra detalhada e menos caricatural. Não que a questão seja desmerecer Os Simpsons, pois a sua proposta foi clara desde o início: fazer um episódio final para encerrar um dos seriados de maior longevidade da televisão americana.
Uma vez aceito esses pressupostos, o trabalho para o crítico e o espectador fica fácil. Aos que sempre apreciaram as aventuras de Bart e companhia é mais do que aconselhável que vejam esse episódio final. Mas, para quem nunca foi fã desses personagens amarelos, o conselho de Homer prevalece: “por que pagar por algo que se pode ver de graça?”
Cotação: Fraco
A máquina
A Máquina: o amor é o combustível, 2006. De João Falcão
É um filme polêmico, desenvolvido com maestria. Narra sobre uma cidade imaginária e seus singulares habitantes. Apesar de ser específica e localista, a história alcança, brilhantemente, o universal. O filme a que me refiro é Dogville e seu diretor é Lars Von Trier.
Mas, muito distante desse exemplar cinematográfico temos A Máquina, dirigido por nosso amigo Jonhy Falcon. É um dos filmes mais constrangedores que eu já vi nos últimos tempos e mereceria toda a galeria de Troféus Framboesas, se essa premiação se dignasse a distinguir as nulidades do anonimato semi-amadorístico.
O filme narra a história de Antônio (Gustavo Falcão), que decide colocar sua vida em cheque para chamar a atenção do mundo para a pequena cidade de Nordestina, tentando, dessa forma, arrebatar o amor da linda (?) Karina (Mariana Ximenes). Ao final, ele consegue atrair o interesse da mídia internacional, mas o preço é sua própria martirização, no tempo e no espaço.
Nordestina? Ai. Só pelo nome da town já fica patente o interesse em atingir a “essência” do nordeste... E, diga-se de passagem, essa é uma estratégia que nunca funciona. Na maior parte da trama, as falas e os trejeitos dos personagens revelam – não o cerne do nordeste – mas sim uma visão estereotipada; o olhar do litorâneo sobre o que, supostamente, seria o sertão.
O filme é uma falha completa, começando pelo argumento e o desenvolvimento afetado do roteiro. O que resultou, ao final, em uma direção excessivamente teatralizada, que não soube peneirar as interpretações exageradas dos atores.
Gustavo Falcão resvala na canastrice – enrolando-se para pronunciar aquelas falas mal escritas, redundantes e pretensiosas. Alguém deveria ter lhe avisado que ele não é Matheus Nachtergaele e que o personagem em questão não era o João Grilo. Mas justiça seja feita, nada pode superar o papelão (digo, papel) interpretado por Ximenes. O momento em que ela é introduzida na história, cantando uma musiquinha songa-monga em uma bicicleta, pode ser considerado como um dos mais tristes momentos do cinema brasileiro.
A comparação inicial com Dogville não foi gratuita, pois alguns planos gerais de Nordestina, sobretudo quando a vemos em visão aérea ou em plongée, é possível uma associação com a cidade título do filme de Lar Von Trier: uma cenografia que remete a não arquitetura.
Porém, no caso de A Máquina, a desconstrução da paisagem cenográfica, enquanto um simulacro do real, opera por outro sentido que aquele da remoção das paredes. Aqui, se faz questão de assinalar os exageros do cenário e da iluminação (uma forma de atingir a essência). Nordestina não tem uma arquitetura real, a própria igreja (centro de toda cidade tradicional) não possui paredes, mas só a fachada com uma torre, que encobre e, ao mesmo tempo, revela o vazio do sertão. Contudo, quando Antônio parte para o “mundo”, as locações aparecem mais realistas (o mar é, de fato, o mar). O cenário sai da narrativa mítica e entre no tempo histórico real. Tal escolha implicou na quebra da homogeneidade espacial do filme, colocando dificuldades em um trabalho mais do que problemático.
No final, em uma coisa A Máquina acerta, ela consegue atingir a condição de alegoria e fábula. Pois esse filme é uma perfeita metáfora do cinema brasileiro (a Nordestina): incompleto, incoerente, imaturo, mas que quer ser descoberto pelo mundo, chamar a atenção daquela gente grande que, lá na terra da Estátua da Liberdade, faz cinema de verdade.
Grace (Nicole Kidman) disse que algumas cidades nunca deveriam existir. Se referia a Dogville, mas ainda bem que ela não conheceu Nordestina.
Cotação: Péssimo
É um filme polêmico, desenvolvido com maestria. Narra sobre uma cidade imaginária e seus singulares habitantes. Apesar de ser específica e localista, a história alcança, brilhantemente, o universal. O filme a que me refiro é Dogville e seu diretor é Lars Von Trier.
Mas, muito distante desse exemplar cinematográfico temos A Máquina, dirigido por nosso amigo Jonhy Falcon. É um dos filmes mais constrangedores que eu já vi nos últimos tempos e mereceria toda a galeria de Troféus Framboesas, se essa premiação se dignasse a distinguir as nulidades do anonimato semi-amadorístico.
O filme narra a história de Antônio (Gustavo Falcão), que decide colocar sua vida em cheque para chamar a atenção do mundo para a pequena cidade de Nordestina, tentando, dessa forma, arrebatar o amor da linda (?) Karina (Mariana Ximenes). Ao final, ele consegue atrair o interesse da mídia internacional, mas o preço é sua própria martirização, no tempo e no espaço.
Nordestina? Ai. Só pelo nome da town já fica patente o interesse em atingir a “essência” do nordeste... E, diga-se de passagem, essa é uma estratégia que nunca funciona. Na maior parte da trama, as falas e os trejeitos dos personagens revelam – não o cerne do nordeste – mas sim uma visão estereotipada; o olhar do litorâneo sobre o que, supostamente, seria o sertão.
O filme é uma falha completa, começando pelo argumento e o desenvolvimento afetado do roteiro. O que resultou, ao final, em uma direção excessivamente teatralizada, que não soube peneirar as interpretações exageradas dos atores.
Gustavo Falcão resvala na canastrice – enrolando-se para pronunciar aquelas falas mal escritas, redundantes e pretensiosas. Alguém deveria ter lhe avisado que ele não é Matheus Nachtergaele e que o personagem em questão não era o João Grilo. Mas justiça seja feita, nada pode superar o papelão (digo, papel) interpretado por Ximenes. O momento em que ela é introduzida na história, cantando uma musiquinha songa-monga em uma bicicleta, pode ser considerado como um dos mais tristes momentos do cinema brasileiro.
A comparação inicial com Dogville não foi gratuita, pois alguns planos gerais de Nordestina, sobretudo quando a vemos em visão aérea ou em plongée, é possível uma associação com a cidade título do filme de Lar Von Trier: uma cenografia que remete a não arquitetura.
Porém, no caso de A Máquina, a desconstrução da paisagem cenográfica, enquanto um simulacro do real, opera por outro sentido que aquele da remoção das paredes. Aqui, se faz questão de assinalar os exageros do cenário e da iluminação (uma forma de atingir a essência). Nordestina não tem uma arquitetura real, a própria igreja (centro de toda cidade tradicional) não possui paredes, mas só a fachada com uma torre, que encobre e, ao mesmo tempo, revela o vazio do sertão. Contudo, quando Antônio parte para o “mundo”, as locações aparecem mais realistas (o mar é, de fato, o mar). O cenário sai da narrativa mítica e entre no tempo histórico real. Tal escolha implicou na quebra da homogeneidade espacial do filme, colocando dificuldades em um trabalho mais do que problemático.
No final, em uma coisa A Máquina acerta, ela consegue atingir a condição de alegoria e fábula. Pois esse filme é uma perfeita metáfora do cinema brasileiro (a Nordestina): incompleto, incoerente, imaturo, mas que quer ser descoberto pelo mundo, chamar a atenção daquela gente grande que, lá na terra da Estátua da Liberdade, faz cinema de verdade.
Grace (Nicole Kidman) disse que algumas cidades nunca deveriam existir. Se referia a Dogville, mas ainda bem que ela não conheceu Nordestina.
Cotação: Péssimo
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