sábado, 10 de fevereiro de 2024

O homem dos sonhos


Código Cage 💫💫💫

O homem dos Sonhos (Dream Scenario), 2023. De Kristoffer Borgli

O filme aborda a loucura dos tempos atuais em uma comédia de humor negro que funciona como alegoria da internet. A crueldade das redes sociais estampada na construção/destruição de subcelebridades, na cultura do cancelamento e nos tensos liames do real/virtual são bem trabalhadas na história de um professor universitário frustrado chamado Paul Mathieu (Nicolas Cage) que passa a ser uma figura recorrente no sonho de pessoas conhecidas e desconhecidas.

Mathieu tinha uma vida convencional como catedrático de Biologia Evolutiva,  mas se sentia desgostoso por não consegui publicar e injustiçado por não receber os créditos merecidos por seu trabalho. A figura de Mathieu expressa um homem com potência, mas estagnado em uma figura entediante, medíocre e cheia de recalques pessoais e profissionais.

Ele gostaria de ter maior notoriedade o que acontece tão logo as pessoas passam a sonhar com ele de forma recorrente. Em pouco tempo sua imagem viraliza e Paul alcança um tipo infame de reconhecimento. Nesse ínterim ele se depara com situações negativas, até então imprevistas, geradas pela tão almejada atenção.

Dream Scenario funciona como denuncia da volubilidade da plateia virtual, mas vai além ao oferecer um personagem bem construído – méritos para Nicolas Cage (nosso Nicão*). A sensação de apatia do homem mediano enfrentado por Paul Mathieu o aproxima do professor Larry Gopnik do filme Um homem sério (2009) dos irmãos Coen. É curioso como a docência parece indicar em ambas as projeções um lugar de amargura e invisibilidade.

Mas se os Coen constroem um texto fílmico minimalista (ainda que com toques de nonsense), Kristoffer Borgli envereda pelo humor depreciativo com a transformação do absurdo em terror. As pessoas se revelam incapazes de captar a diferença entre o visitante dos sonhos e o homem de carne e osso. A relação entre dar e receber das redes sociais cria monstros, e não é preciso muita coisa para alguém se tornar o frankenstein da vez rodeado pela multidão irada de campônios com tochas nas mãos. Mathieu reluta em abrir mão das oportunidades criadas pelo singular fenômeno; aliás é curioso perceber que mesmo ele sendo um suposto pesquisador demonstra pouco interesse em entender as causas do evento. Ele se julga criador sendo que na verdade é criatura.

O filme acaba prejudicado pelo capítulo final, a mudança de arco que se não é de todo incoerente compromete a força do conjunto. A narrativa opta por levar até as últimas consequências o paralelo com as celebridades da internet, mas ao tomar esse rumo desfoca o ângulo metafísico acerca das agruras do personagem. O desdobramento do clímax – o confronto entre real e onírico – cai em um didatismo desnecessário.

Ainda assim, o filme tem muitos méritos e se pudermos apresentar o nosso veredito sobre o Nicão, devemos dizer que esse é o Nicolas Cage que queremos ver! Ele abraça outros “losers” como o já citado professor Larry Gopnik (Michael Stuhlberg), o escritor fracassado de Sideways (2004) Miles Raymond, interpretado por Paul Giamatti, e o roteirista Charlie Kaufman do filme Adaptação (2002) interpretado por Nicolas Cage...

Opa, voltamos a ele outra vez.

Cotação: ☕☕☕

* Confira o projeto Bem-vindo ao Código Cage

sexta-feira, 9 de fevereiro de 2024

Visions of ecstasy


Nunsploitation 
✝💋

Visions of ecstasy, 1989. De Nigel Wingrove

Embora não chegue a ser experimental, Visions of ecstasy se fundamenta na leitura das fusões entre o sagrado e o profano a partir de elementos da iconologia católica.

Abordando as visões erótico-religiosas de Santa Tereza de Ávila, o curta-metragem (18 min.) explora os níveis de repressão sexual do catolicismo tais como a iconografia barroca e as sisudas vestimentas das freiras.

A vulgaridade das produções eróticas amadoras se dilui em um plano de claro-escuro onde rastros de sangue são a preliminar para a exibição de um altar no qual uma mulher com hábito de freira performa o sexo fetichista com outra religiosa e com o nazareno pregado à cruz.

Os apetrechos litúrgicos são transformados em símbolos fálicos tais como o prego que trespassa a palma da mão feminina e a ingestão de fluidos (paralelo entre vinho e sêmen). Outros elementos da cultura religiosa também são explorados em sua polissemia semântica. Quer dizer, a intencionalidade do filme passa longe de qualquer apelo ao obsceno ou pornográfico, pelo contrário, as sugestões e as sutilezas dominam a projeção.

Despudoramente provocativo, Visions of ecstasy foi banido da Inglaterra sob a acusação de blasfêmia. Apresenta-se, por isso mesmo, como referência do nunsploitation em seu desiderato de explorar os intricados não ditos do catolicismo sob uma ótica do desejo masculino.

Cotação: ☕☕☕

terça-feira, 6 de fevereiro de 2024

Willy's Wonderland: parque maldito



Código Cage 💫💫💫

Willy's Wonderland, 2021. De Kevin Lewis 

São dois filmes: um ruim e um péssimo. No filme ruim os adolescentes ficam presos com animatrônicos assassinos: cultistas de um serial killer satanista que fizeram um ritual para entranhar suas almas nos robozinhos. Desde então buscam por vítimas.

No filme péssimo um homem de meia idade com cara de poucos amigos passa uma noite socando os robôs. Ele não fala nada. Sim, Cage passa o filme todo sem dizer uma palavra. Não sabemos nada sobre a misteriosa figura, exceto o fato de que ele tem um carrão, uma jaqueta cool, um gosto duvidoso por energéticos e disposição de sobra.

Esses dois filmes se encontram na intersecção dos corredores e salões do restaurante familiar (pero demoníaco) Willy's Wonderland. Jovens fogem das máquinas enquanto as máquinas fogem de Cage (digo, do zelador).

Nicolas Cage, ou Nicão para os entendidos, deve ter assinado um contrato no qual se dispôs a fazer uma única expressão. A ideia de minimalismo na atuação realça suas saracoteadas silenciosas, no máximo um ruído.

Sem atuação, sem coesão, sem sentido algum: um retorno a Ed Wood.

Esse é o filme de Nicão que temos que assistir para entender até onde ele está disposto a ir. Cage entrega o mínimo necessário. Mas em um dos poucos momentos no qual a atuação se torna fluida uma dancinha acontece diante da máquina de fliperama.

A persona do ator quer vir à tona. Seria um canastrão se tivesse a presunção e as veleidades de tal, mas não. Ali é atuação em estado puro. “Dai-me o mínimo que eu darei o mínimo”.

Se o conjunto da obra não convence, a culpa não é dele. Ele é um apêndice que nem deveria estar ali. Seria mais um filme de terror se o faxineiro não tivesse decidido entrar chutando a porta para matar os animatrônicos.

Com ele ruim, sem ele péssimo.

Veredicto: bananeira dá banana, laranjeira dá laranja e Cage dá show.

Mas alguns shows são constrangedores.

Cotação:

sábado, 3 de fevereiro de 2024

Velozes e Mortais


Crítica a jato✈

Velozes e Mortais (Highwaymen), 2003. EUA. De Robert Harmom

Antes de criticar o filme tenho que criticar a mim mesmo. Estava na locadora e o rapaz me sugeriu Velozes e mortais. Eu perguntei se era bom e ele na cara lavada disse que sim. Eu sabia que ele estava me enganando, mas porque sempre me deixo ser enganado? O filme é uma história idiota (psicopata que usa um carro para matar pessoas) cheio de clichês e furos no roteiro.


Vou citar só alguns exemplos, pois não quero perder mais tempo com essa lástima...


1) Filme de carros envenenados (que conceito interessante!)


2) O relacionamento entre os protagonistas é totalmente forçado. Há um momento em que o personagem principal se vira para deixar a "mocinha" se trocar (outro clichê)!


3) O filme é uma história de vingança que, como já foi assinalado por diversos críticos, marca o cinema americano pós 11 de Setembro.


4) Só para constar, o personagem principal força a moça a acompanhá-lo, o que é rapto. Mas ela aceita ser subjugada e troca olhares sugestivos com seu protetor...

Que lixo!

Cotação: ☕

Pós-escrito: essa foi uma das primeiras críticas de uma versão anterior desse blog. Muita ingenuidade esperar algo de bom desse filme. O marketing se baseava no ator James Caviezel, que havia interpretado A Paixão de Cristo. Aproveitando-se, também, do então lançamento de Velozes e Furiosos. De um lado, Jesus, do outro, carrões envenenados. Bons tempos.

quinta-feira, 1 de fevereiro de 2024

Bem-vindos ao Código Cage


Um dos piores filmes que já vi em minha vida – Willy's Wonderland: Parque Maldito – caiu como uma provocação, um convite para desvendar o código Cage. Na série Community, quinta temporada, há um episódio no qual discute-se a qualidade da atuação de Cage: gênio ou canastrão?

Tendo em vista a quantidade de filmes dos quais ele participou nos últimos anos, a proposta aqui esboçada é fazer uma análise in loco do protagonismo de Nicolas Cage. Uma das lendas urbanas, alimentada por ele próprio, ao que parece, seria que a crise da bolha imobiliária de 2008 o endividou. Desde então ele trabalha para pagar os boletos.

Verdadeira ou não, essa historieta lança luz a uma questão interessante: é possível proletarizar o estrelato hollywoodiano? Atores proletários existem, mas nos referimos aqui às “grandes estrelas”. E mais, o que teremos de Cage ao assistir todos os seus filmes?

E o mais importante: tal tarefa será divertida?

Bem-vindos ao Código Cage, pois a cinefilia também se alimenta de bizantinices.