domingo, 27 de agosto de 2023

Doutor Sono


Crítica a jato✈

Doutor Sono (Doctor Sleep), 2019. De Mike Flanagan

Por se tratar da continuação de O iluminado seria muito despropositado tecer grandes expectativas. No entanto a adaptação do novo filme de Stephen King falha miseravelmente. O terror é atenuado, sobretudo, porque Abra Stone a sucessora de Dan Torrance, a garotinha afro-americana (yep!) é muito overpower.

Em momento nenhum Abra fica realmente em perigo, quem tateia em busca de ajuda é Dan, o outrora iluminado só manteve uma pequena parcela do seu brilho. Vagueando pelos Estados Unidos ele tenta lidar com sua depressão e alcoolismo. O encontro dele com Abra é forçado e muito mal explicado, resultado de uma narrativa fílmica absolutamente sem sal.

Esse, aliás, é o principal problema do filme, uma tentativa de adaptar uma extensa obra literária em duas horas de projeção e ainda com a obrigação de fazer conexão com a história anterior.

Para além do hotel amaldiçoado, os antagonistas são um grupo de vampiros psíquicos liderados por uma bela e perigosa assassina. Uma criatura maligna, poderosíssima, mas que é feita de gato e sapato por Abra Stone.

Seja como desfecho ou como obra independente, o filme Doutor Sono é limitado. Os arcos são até interessantes, mas explorados com excessiva pressa a fim de dar liga aos vários capítulos. Priorizar Abra em detrimento de Dan prejudica a temática do iluminado ao substituí-la por uma versão dark de Matilda (1996).

Cotação: ☕☕☕

Que horas eu te pego?


Que horas eu te pego?
(No hard feelings), 2023. De Gene Stupnitsky

Os tempos mudaram para melhor? Não sei dizer, mas tenho inclinação pessimista para todas as coisas do mundo. Desse modo não esperem de mim grandes loiros para as vocações contemporâneas. E é nesse espírito que apresenta a reviravolta das comédias picantes juvenis com um tempero e um caldo da década de 2020.

Que horas eu te pego?” segue as novas riscas da contemporaneidade. Homens fracos e mulheres fortes. Aqui não temos mais o rapaz querendo perder sua virgindade a todo custo, pelo contrário: eis o meninão de 19 anos resignado com sua fobia social e sem maiores interesses por incursões nessa terra de ninguém chamada corpo feminino. Caberá a trintona Maddie (interpretada por Jennifer Lawrence) a tarefa de introduzir o rapaz neste novo continente. Ela faz um acordo com os pais do garoto em troca de um carro, pois precisa do motor para trabalhar de Uber e assim manter sua casa em um bairro assolado pela especulação imobiliária. Por ser herança da mãe (e de um pai ausente) ela não quer perder a propriedade.

É tão triste que sinto vontade de chorar, vontade de chorar pela inação do menino Percy (19 anos minha gente) incapaz de receber as dádivas que secretamente seus pais controladores atiraram em seu colo. E eles atiraram foi a Lawrence que já chega chegando querendo liberar geral. Mas o garoto se assusta: teme o rapto (quando a esmola é demais...), busca previamente uma ligação sentimental e, pasmem, tem reação alérgica à xo... digo, a chocha brincadeira de Adão e Eva.

Os rapazes (igualmente imbecis) de America Pie mandam lembranças: vocês ralavam, oh guerreiros, por uma coisa que hoje os pais encomendam pelos filhos em aplicativos de celular...

Minha má vontade se justifica também pelas premissas absurdas. Um dos amigos de Maddie questiona esse plano de tirar a virgindade do rapaz em troca do carro prometido pelos pais good vibes, sugere alugar alguns quartos da casa pelo Airbnb. Mas ela responde que não se sentia bem em deixar estranhos em sua casa. Ele retorque “não aluga a casa, mas aluga a xereca?”. A mesa feminina o cala imediatamente. Ele ainda sugere “Não seria melhor o OnlyFãs”. A mesa de “apoiadoras de apoiadoras” retumba: “maridinho meu, o que você entende de OnlyFãs?”. Ali é prudente se calar.

Não estou aqui para criticar personagens secundários caricatos, faz parte do gênero. Se bem que quando a única frase sensata sai do clássico bufão é de fato o mundo de pontas às cabeças. Me surpreende o neoplatonismo vendido: o rapaz apto a perder a virgindade só após uma ligação sentimental – enquanto Percy se apaixona, Maddie descobre o valor de manter alguns valores afora os valores (materiais) que pretende receber...

Não há verborragia no parágrafo acima. Realço que em meio a aparência libertina esconde uma vontade insuportável de castração do masculino. Trata-se de uma nova abordagem de educação sexual: a personagem feminina aparece como disposta ao sexo casual, eventualmente até remunerado. Já o rapaz é constrangido a perder a virgindade, mas para isso deve descobrir algo além de um prazer carnal.

E essa dialética cripto-cristã dará a toada até o final. A sexualidade exuberante feminina não é tão resolvida assim – e haverá algum ponto de inflexão que jogará o rapaz nos braços de uma menina anódina (conclusão com extrapolação). Porque as beldades "10 de 10" não são “consumo” mas para admiração.

Afinal, é o capitalismo, nem tudo que desejamos podemos ter.

Cotação: ☕☕


domingo, 21 de fevereiro de 2021

Eu me importo


Eu me importo
(I care a lot). De J Blakson, 2020.

https://www.netflix.com/browse?jbv=81350429

Acabei de assistir “Eu me importo” estreia do Netflix. O filme é curioso e estabelece o espírito anti-masculino que atravessa a cultura contemporânea. As protagonistas consistem em casal de lésbicas inescrupulosas que lesam idosos ao se tornarem tutoras legais para se apropriarem dos bens das vítimas.

O primeiro arco do filme caracteriza as personagens como cínicas, frias e cruéis, conquistando a antipatia imediata do espectador. Elas sentem um prazer especial em humilhar os homens, entendimento verbalizado várias vezes ao longo da projeção. Contando com uma rede de outras mulheres elas aplicam golpes nos limites da lei, conseguindo, desse modo, amealhar fortuna sob os aplausos de um juiz bobalhão. O modus operandi das vigaristas despertam fácil antipatia ao telespectador (sobretudo para o público brasileiro que não se sente tão bem em descartar os velhinhos). De qualquer forma, o clímax deste arco é a cena de sexo para comemorar a rapina de uma nova vítima.

A intenção é explícita: são mulheres fortes (malvadas) que odeiam os homens (idiotas) e se aproveitam dos idosos (porque a sociedade é uma eterna competição de explorados contra exploradores).

Bem, mas veja aí... elas são as mocinhas.

Sim. Porque se existe mulher ruim, com certeza há homens piores.

Após um golpe bem sucedido elas atraem a atenção da máfia russa, cujo maligno e temido e monstruoso e assustador e, claro, fálico líder decide fazer a vida dessas gentis tranbiqueiras (que se amam) um inferno. Esse másculo (not) mafioso tem uma certa deficiência física que metaforicamente representa a castração do masculino pelo feminino. Caramba! Esses barbados, vamos percebendo ao longo dos arcos, são mais tétricos que as golpistas especializadas em extorquir idosos!

A partir do embate entre o mafioso e a golpista a estrutura narrativa vai absolvendo as moças. A ideia é justificar a agressividade feminina como escudo para um mundo controlado pelos homens. Mas pela força que elas demonstram tudo sai muito inverossímil. São lésbicas que não temem a morte,  a dor, a tortura, o ácido, o afogamento, o tiro, o chumbo, a lei, os homens, os fal... esquece. Não temem nada. Nothing!

Mulheres tão poderosas e decididas e inteligentes, mas cuja única forma de sucesso consiste justamente em explorar e abusar de pessoas frágeis.

Mas se ideia é a celebração da Strong Woman, posso garantir que o tiro sai pela culatra. Pois a mesquinharia e o arrivismo das nossas damas de ferro servem mais para denunciar o ultra-individualismo de um feminismo que elegeu os homens (e não a desigualdade) como inimigos.

A noção de humor ácido se esvai na celebração de uma sororidade (elas amam essa palavra!) cujos vínculos se dão apenas entre mulheres jovens e independentes que fazem do sexo e do dinheiro o vínculo de sociabilidade. As idosas, por exemplo, são atiradas à própria sorte e deixadas para morrer abandonadas.

É o “Female American Dream” vendido como empoderamento mas instrumentalizado como competição sem limites, fazendo uso dos subterfúgios legais a fim de criar pontos de falsa equidade para que moças sedutoras e sedentas por sexo (com mulheres) possam tomar do mundo o quinhão que a força e tenacidade delas merecem.

Em suma, não são heroínas ou anti-heroínas, são cowgirls disparando contra os novos nativos: os homens caras de trouxas...

*Cotação:* Fraco

terça-feira, 20 de agosto de 2019

Netflix é anti-cinema


Netflix
trabalha muito bem contra o cinema. Seu catálogo de filmes é reduzido. A relevância das suas obras é baixa e a aposta em séries desproporcional. Lançamentos fracos e bem aquém do Telecine Play.

Tal serviço de Streaming se coaduna com a letargia do espectador comum, que tem preguiça de procurar filmes relevantes, optando por consumir o que estiver a menos de um clique de distância.

Estou cada vez mais convicto que as locadoras virtuais - nas quais se pagaria por filme - seriam opções melhores.

Eu preciso de 50 minutos de busca para encontrar uma opção razoável no Netflix. Vinte anos atrás era isso que eu precisava para ir e voltar da locadora do bairro com um lançamento e duas opções razoáveis.

domingo, 7 de abril de 2019

Infantilismo do cinema contemporâneo


O cinema atual é infantil, é ruim. Adultos afluem até as salas em busca de super-heróis acompanhando as sequências como garotos de doze anos colecionavam figurinhas em um álbum. Bem indicativo de um estado de espírito coletivo no qual destroiers voadores, equipes multiculturais (mas orquestradas por americanos puro-sangue) dão o tom da diversão pública e da cultura de massa.

Narrativas propositadamente incompletas elaboram sentimento de uma luta ad infinitum contra o mau. O desfecho é sempre jogado para a produção seguinte, um exercício para manter bilheterias em altas cifras. Os adultos seguem o jogo infantilmente com torcidas para a aparição do herói purpurinado da vez.

Há também uma obsessão com a adolescência. Trintões interpretando jovens secundaristas, a high school elevada à condição de microcosmo de toda uma sociedade e todo um modo de vida. As próprias dinâmicas dos adultos passam a ser lidas com os chavões das gatinhas e dos gatões: ênfase nas paqueras e nos dates, embates com os valentões, desinteresse por tudo que não seja ensimesmamento. Enfim, olhar para o umbigo como um paradigma de vida.

Narrativas comprometidas até a medula com valores liberais multiculturais – lacração para alguns, politicamente correto para outros –, e que produzem receituários e cotas de representação a fim de resguardar minorias políticas. Há um esforço considerável para destacar idiossincrasias particulares e considerá-las o mais belo produto do mundo moderno. Narrativas opressoras que elevam lutas de indivíduos contra estruturas opressoras. Causa um mal-estar o maniqueísmo vendido que toma conflitos realmente sérios pelo prisma da condenação moral ao anacronismo do patriarcado.

É infantil esse cinema, pois ele impõe uma noção ideológica de que o real existe para satisfação dos nossos desejos. Todos entraves, obstáculos, deslocamentos e desentendimentos transparecem como um mundo ser removido por metodologias pós-modernas. Não cabe reflexão, mas apenas engajamento tribal, por vezes, com nuances de seita.

Isso explica o fascínio pelos super-heróis já que a eles nada é vetado, seus poderes o elevam para além da vida ordinária. Isso explica o fascínio pela adolescência, pois estes são especialistas em negar imprudentemente os limites da realidade.

Circuitos comerciais ou alternativos, não importa, os filmes estão ruins.

Precisamos crescer e nos libertar dessa voga millenial.