segunda-feira, 18 de agosto de 2008

Lutero


Lutero (Luther), 2003. EUA/ Alemanha. NFP teleart / Eikon Film / Thrivent Financial for Lutherans. De Eric Till

Lutero é um bom filme, a direção de fotografia e os cenários se revelam satisfatórios. Há momentos em que a câmera gira em torno do personagem e captura o cenário, de tal forma que vemos a paisagem a partir de sua perspectiva. É o caso, por exemplo, da primeira vez que ele se depara com Roma, ao ver um Arco do Triunfo.

Contudo há um ou dois anacronismos que deve ser registrados. Em primeiro lugar (isso é só implicância) uma das personagens utiliza a expressão "inércia" com um sentido contemporâneo. Não é preciso dizer que essa palavra não estava difundida na primeira metade do século XVI.

Em seus sermões, Lutero mais parece um Seinfield do que um religioso quinhentista. Acho pouco provável que um padre tivesse aquela forma de discursar. O humor utilizado em seus sermões parecem estar descolados daquele momento histórico.

Outra coisa, o comportamento da esposa de Lutero é totalmente descontextualizado. Essa foi difícil de engolir. Imaginem: ela jogando travesseiros na cara de Lutero, nervosa por ver suas núpcias interrompidas.

Ai, ai.

Sem cotação

P.S.: Republicação de uma das minhas primeiras críticas. O engraçado é que, na época, um leitor postou um comentário criticando meu texto e mandou-me ir estudar história. Como eu havia acabado de me formar nesse curso, todos acharam quem fui eu que inventei aquela frase para criar falsa polêmica.

quarta-feira, 13 de agosto de 2008

Abismo do Medo


Abismo do medo (The descent), 2005. Inglaterra. Pathé / Celador Films. De Neil Marshall.

"Abismo do medo ou quando Sex and the city vai à caverna"

O filme tem um final feliz.

Só quem assistiu ao filme vai entender o que eu quero dizer...

Seis mulheres acostumadas a fazer tours de eco-aventura decidem explorar uma caverna. Porém após um desabamento acabam por ficar presas em seu interior.

A premissa inicial é promissora. Uma das estratégias clássicas para nos conduzir ao medo é nos confrontar com o desconhecido. Funciona tanto para estruturar a trama quanto manter o telespectador interessado. A maior parte das pessoas diria: “nunca entraria em uma caverna como essa”. Mas, a verdade é que no momento em que assistimos à projeção nos comportamos como se fossemos as vítimas.

Imaginem: 3 km sob a terra, passando por lugares estreitos, a escuridão reina, as lanternas falham, o grupo está tenso (isso é um clichê, mas é verossímil e sempre funciona). Temos todos os ingredientes para construirmos uma história assustadora. Certo?

Errado. Infelizmente o que eu descrevi são apenas os primeiros atos do filme. Uma vez presas, a trama começa a se degringolar por um itinerário não muito original. Passamos de uma história de sobreviventes para um trilher de horror. No interior das cavernas elas percebem que não estão sós, que lá embaixo há estranhos hominídeos, verdadeiros canibais.

O tema da aparente normalidade é interessante. O que parece ser algo normal – somente mais uma caverna – esconde criaturas aterradoras. Esse conceito está presente em vários filmes de qualidades duvidosa como o clássico O massacre da serra elétrica, Pânico na floresta e Plataforma do medo. Uma casa no Texas interiorano esconde uma família de canibais; em uma floresta, uma outra família de canibais, geneticamente deformados, ataca viajantes na auto-estrada; dentro do túnel de um metrô uma estranha criatura perambula, vitimando trabalhadores e mendigos.

Esse tipo de horror está sustentado justamente nessa dualidade, a normalidade aparente esconde o covil do monstro. Se você seguir o caminho normal tudo estará bem, mas um simples atalho poderá conduzi-lo até o bestial.

Assim, assim. No caso de Abismo do medo, não funciona.

No momento em que as exploradoras ficaram presas e se depararam com seus habitantes, deveriam ter dito: “Olha, nós viemos lá de cima, estamos dizimando as formas de vida da superfície – na verdade estamos pondo fim no próprio bios – não se metam conosco por que somos humanas”.

E não estariam mentindo, pois, no decorrer do filme, as moças revelam uma grande facilidade para dizimar as criaturas da caverna. Lógico que as donzelas estavam salvando a própria pele e ao seu redor só havia carnívoros. Mas, bem, nesse sentido o filme, indiretamente, revela um pouco da banalidade do eco-turismo, o quão indesejável e predatória é a presença do homem.

Podemos perceber que havia um antigo equilíbrio biológico entre aquelas criaturas e a natureza ao seu redor. O azar das moçoilas foi se depara com esse ambiente no qual, definitivamente, não eram bem vindas.

Claramente essa é uma extrapolação um tanto maldosa, porém ela pode ser sentida dentro do filme. As rápidas aparições das criaturas assustam as girls e o telespectador, muito mais do que quando suas presenças passam a ser constante. Na medida em que o desconhecido vai se revelando como mais uma criação (mesmo que aberrante) da natureza, as senhoritas invectivam contra seu algozes com muito mais ferocidade. Houve um momento em que, rodeadas por seus inimigos, em uma postura de defesa tão cenográfica que eu gritei: “Mate esse maldito orc Legolas!”

Contudo há pontos positivos no filme, não há porque culpar o roteiro ou a direção. Não há, por exemplo, aquelas típicas personagens histéricas (que a gente ajoelha e reza para o assassino matá-las logo), as aventureiras também não cometem erros típicos, embora desesperadas conseguem reagir à altura dos acontecimentos. Mulheres modernas, arrojadas, independentes, que não ficam dando gritinhos, mas que conseguem um tempinho para discutir seus relacionamentos: Sex and the ciy and cave.

No ato final do filme, a premissa inicial da normalidade versus anormalidade é retomada, em uma seqüência intensa, na qual vemos uma das personagens vislumbrando sua escapatória. Não é um filme de horror, é um filme ecológico, me convenceu de que há nichos dos quais nunca deveríamos entrar...

Que ultraje. Mas o final é feliz, isso vocês vão ter que concordar.

Cotação: regular

P.s: Esse filme não é de todo mal, eu o reassisti e até vi algumas boas idéias, mas a cotação permanece. Observem também o formato diferenciado do cartaz, verticalizado.

sexta-feira, 8 de agosto de 2008

O Grande Dave


O Grande Dave (Meet Dave), 2008. EUA. 20th Century Fox Film Corporation. De Brian Robbins

As roupas de Eddie Murphy não enganam, essa comédia está fora do seu tempo, de sua década. Embora os trajes de Dave sejam dos anos 70, o filme nos remete às comédias dos anos 80 saborosamente inverossímeis. Quando criança, lembro de ter assistido a história de um príncipe africano que decide partir do seu país e rumar para a América em busca do verdadeiro amor. Cavaleiro em reino distante e que acaba por encontrar sua princesa em uma selva de concreto. Contos de fadas contemporâneos...

Dessa vez temos uma nave com formato humano, pilotada por pequenos alienígenas, que decide aterrizar no solo nova-iorquino para encontrar a solução para a ameaça que paira sobre seu planeta de origem. A nave em questão é Eddie Murphy, andróide totalmente interativo, controlado por uma disciplinada tripulação sob a batuta do Capitão, interpretado por esse mesmo ator.

O filme só funciona por causa do protagonista que com suas gesticulações e caretas dão o tom a essa comediazinha familiar. A sugestão é sentar na frente da telona com um balde de pipoca e se deixar enredar por uma história previsível, mas com bons momentos de fantasia e humor, além daquela nostalgia dos anos perdidos.

Esses minúsculos visitantes, vindos do planeta Nilly, buscam um equipamento extraviado que porá um fim as suas angústias, mas o contato com as emoções humanas os influencia, colocando em risco a hierarquia interna e o sucesso da missão. O filme rende bons momentos, oportunidade para Eddie Murphy se mostrar em forma e lembrar que esse gênero ainda vive, mesmo que agonizante. O roteiro fica no convencional, martelando a importância da individualidade humana, da criatividade e da beatitude da família, com “críticas” tão inexpressíveis que soam gratuitas (bem ao gosto de vinte e tantos anos atrás).

Piadas tendendo a escatologia e referências pops (algumas de difícil identificação para nós brasileiros) marcam a presença do humor contemporâneo. O desenlace não resolve os problemas levantados ao longo da projeção, mas finalizam com um efeito sentimentalóide, que pode até agradar o telespectador, mas em contrapartida revela as fraquezas do roteiro.

O Grande Dave não é de todo mal, quando chegar à telinha há de ser valorizado e até apreciado. Uma boa opção para depois da novela das oito, incluindo aí os intervalos comerciais.

Cotação: regular

Vôo Noturno


Vôo Noturno (Red Eye), 2005. EUA. DreamWorks SKG / Craven-Maddalena Films / Bender-Spink Inc. De Wes Craven

De um lado um alto político americano da Era Bush, que vem a público e defende a necessidade da força bruta para a política internacional.

Do outro lado um mercenário bonitão (Cillian Murphy), disposto a assassinar esse político.

Quem é o vilão? Bem, infelizmente este último.

De fato, o substrato ideológico do filme Vôo Noturno é a guerra contra o terrorismo, dissolvido em um roteiro bobo sobre a ameaça de assassinato à família (linda, branca, loura, indefesa) de um figurão republicano.

A história gira em torno da funcionária de um hotel, chamada Lisa Reisert (Rahcel McAdams), que, em alto vôo, é ameaçada pelo mercenário Jackson Rippner (Murphy). Esse pouco patriótico homem está ciente que Keef, o político, está para hospedar no hotel no qual ela trabalha.

O plano, portanto, é obrigar Lisa a usar seus contatos para transferir o hóspede para um determinado quarto, mais exposto, o que facilitaria o atentado. Em solo, um comparsa de Jack está pronto para matar o pai de Reisert caso ela decida não cooperar.

A partir daí passamos a acompanhar as tentativas de Lisa em ludibriar seu adversário, na perspectiva de salvar seu pai e a família Keef. O cenário principal do filme é o interior do próprio avião, toda a tensão é desenvolvida nesse restrito espaço.

O argumento principal já não é promissor, a direção de Wes Craven também deixa a desejar – não conseguindo escapar dos seus conhecidos macetes. A atuação de Rachel McAdans é fria, a moça, que já não é muito talentosa, interpreta o papel da nice girl da pior forma possível. Sempre resistindo, relutando, complicando; a típica mocinha que decide sobreviver e preservar os bons valores. A mulher americana trabalhadora, que suporta o stress e sabe encontrar a via adequada para resolver todos os conflitos, até mesmo um atentado terrorista...

Já seu antagonista, embora bonito, inteligente e misterioso comete tantos erros que eu acabei desistindo de torcer por ele... Se estes são os inimigos da América, não há razão para Bush dormir preocupado.

Ponto positivo para o filme: documento indireto do medo de voar que acometeu os americanos nos últimos anos, um receio sutilmente explicitado. Outro aspecto interessante é a apresentação dos inconvenientes de voar, como a espera nos terminais e as grosserias dos funcionários e demais passageiros. Um tema que, a nós tupiniquins, soa bem contemporâneo.

Embora o filme se estruture em um suspense, ele nos lembra aqueles trilhers de ação, como O Chacal , uma produção de 1997, protagonizada por Buce Willis e Richard Gere. História na qual um detento deve impedir o assassinato de um membro da família presidencial. Novamente temos civis se arriscando para a proteção de políticos.

Claro, o filme faz sentido para o público americano, que irá torcer para que a família Keef se safe. Porém, por aqui, na terra do Oba-Oba, não estamos dispostos a arriscar nossos pescoços pelos nossos políticos.

Se ao invés de Lisa Reisert tivéssemos um brasileiro, certamente que o político e seus belos familiares se mudariam para a cidade dos Sete Palmos.

Sorte do Keef que a América ainda é a América...

Cotação: fraco

sexta-feira, 1 de agosto de 2008

Esses homens maravilhosos e suas máquinas voadoras


Esses homens maravilhosos e suas fantásticas máquinas voadoras (Those Magnificent Men in Their Flying Machines), 1965. 20th Century Fox. Inglaterra. De Ken Annakin

Ingleses, franceses, italianos, americanos, alemães, japoneses. Todos juntos. Uma disputa nos céus. Os aviões partindo da Inglaterra rumo à França, ao vencedor o prêmio em dinheiro e a glória internacional (para sua máquina, para si próprio e para seu país). O ano é 1910, o que torna o filme irresistível, pois vemos vários países disputando cavalheiristicamente um prêmio internacional. Os estereótipos de cada nação e personagens são formidáveis, pessoalmente prefiro os italianos.

Esse filme soube, de forma singular, captar o contexto da Belle Èpoque com sua despreocupação burguesa e aristocrática. Quatro anos depois desse evento, todos esses países estariam se digladiando na horrenda Guerra, por isso a ironia e melancolia de um período supostamente inocente, mas extremamente nacionalista. Alguns personagens, como o jovem e afetado piloto inglês, personificam as contradições da “paz armada”.

Um filme longo, que resgata velhas piadas, algumas do cinema mudo, pouco engraçadas até, mas que nos lembram uma época em que alguns homens definitivamente acreditaram na paz como regra geral, e não como exceção.

Sem cotação