sábado, 29 de março de 2008

Na natureza Selvagem


Na natureza selvagem (Into the wild), 2007. EUA. De Sean Penn

Por trás desse filme há um homem que quase morreu no Everest.

Portanto essa história tem uma poesia que nem todos podem compreender. Na natureza selvagem se baseia no livro homônimo do aventureiro Jon Krakauer que também é autor de No ar rarefeito (no qual ele relata sua escalada ao Everest em uma das expedições mais trágicas da história do alpinismo daquela montanha).

Já o filme, tem direção e roteiro de Sean Penn e, de forma bem eficiente, consegue transmitir o fascínio que os lugares inóspitos exercem sobre algumas pessoas. O enredo, a propósito, é muito mais do que isso, uma vez que relata a trajetória de um rapaz que, ao sair da universidade, decide se tornar um viajante, tendo como objetivo acampar no Alasca.

Trata-se de uma viagem pelos Estados Unidos, bem ao estilo de Jack Kerourac, que mais parece se assimilar a um percurso introspectivo. Nessa caminhada o jovem Christopher McCandless se torna Alex Supertranp, o andarilho. O que vemos, na verdade, é a recusa ao padrão de vida materialista americano.

Em cada parada, em cada quilômetro andado, Alex conhece novas pessoas, que, assim como ele, aspiram escapar desse sonho consumista ocidental. O jovem rapaz se mostra resoluto em sua disposição de cruzar a fronteira e encontrar o wilderness. Como Supertranp insinua, seu interesse é a fuga da civilização e opressão, representadas no hipócrita e destrutivo modo de vida dos seus pais.

A direção de Sean Penn se revela bem sucedida ao criar composições que metaforizam o entendimento do jovem aventureiro. As paisagens naturais aparecem como um plano geral e os embates com a natureza assumem a alegoria de obstáculos que esse jovem coloca a si mesmo.

Entre outros autores, Christopher McCandless é leitor de Tolstoi, o que explicaria sua ânsia por uma vivência simples na natureza que se contrapõe aos vícios da cidade. Em uma cena bem emblemática, o rapaz percorre por uma cidade, enquanto se questiona se deve buscar, ao menos por algum tempo, um pouso mais fixo. Contudo as mazelas da cidade, as desigualdades e a sociedade das aparências o empurram novamente em direção àquela estrada que vai para o Alasca.

Mas ninguém pode negar suas origens de todo. Supertramp nunca deixará de ser McCandless – conforme várias vezes será lembrado em sua trajetória. Ele não é um caçador, ele não é um nativo do Alasca, ele é simplesmente o belo e jovem branco de classe média alta. Cabe questionar sua prontidão para um desafio dessa envergadura proposta. Até onde ela é verdadeira? Mesmo Tolstoi teve que retornar à civilização; por que seria diferente com Supertramp?

Mas não nos esqueçamos que por trás desse filme (contribuindo com o roteiro de Sean Penn) está Jon Krakauer, alguém que quase morreu nas montanhas. Estamos falando de homens para os quais a vida ou a morte se coloca como questão secundária: superar o obstáculo, sentir a fragilidade da vida em seus ínfimos é o que importa.

Aventureiros, simplesmente isso.


Cotação: Bom

A Rainha


A Rainha (The Queen), 2006. Inglaterra/França/Itália. De Stephen Frears.

Trata-se de um forte diálogo com a cinematografia clássica, ao enfocar a biografia de um personagem de forma pouco ambígua (optando por uma coerência quase impossível à natureza humana), pois A Rainha é um filme de um personagem só, a monarca inglesa.

Mesmo que não concordemos com todas as ações dessa personagem, imediatamente simpatizamos com ela, com aquela inteligência aristocrática e soberba não excessiva.

A rainha da Inglaterra é uma mulher clássica que tem de enfrentar a voracidade da mídia e da cultura de massa. Valores como elegância, contenção, descrição se chocam com a necessidade de exposição, com a exigência de uma relação quase umbilical com os meios de comunicação.

Diana entendia isso, mas Elizabeth II não. Esse é o grande valor do filme, mostrar descompassos entre comportamentos diferentes, mas se focando em uma única personagem. Ela é chave para entendermos os paradoxos da monarquia inglesa.

A monarca vem de uma época onde a ostentação é motivo de censura, basta ver que não há nenhum luxo excessivo ao seu redor, até mesmo o televisor, em um dos aposentos, não é dos mais recentes. Claro, a rainha da Inglaterra veio de uma época ainda marcada pela carestia instaurada com a Segunda Guerra Mundial.

Os personagens que a rodeiam são um contraponto interessante, como o primeiro Ministro Tony Blair, que gradualmente vai se simpatizando com as posições da rainha – na verdade há uma certa insinuação, muito deliciosa, de que Blair é um capacho.

Outra insinuação divertida é quando percebemos que príncipe Charles é um covarde, com receio de ser atingido pela onda de insatisfação popular contra a monarquia, quanto a sua recusa de lamentar publicamente a perda da princesa Diana.

Um desafiador filme sobre o contemporâneo, sua propostas é a de ser analítico, sem levantar bandeiras para algum dos lados. Essa suposta isenção contribui para a narrativa, o que evita as prováveis pieguices de uma história muito centrada em uma única personagem.

Não há nada apelativo, nenhuma cena, nenhum acompanhamento musical. Nossa adesão a rainha é mais racional do que emotiva, sentimos certa empatia para com essa dama que lastima o azar de não ter o direito ao voto.

A única ressalva fica para aquela cena em que Tony Blair dá um chilique danado ao ouvir uma crítica à rainha, gordurinha totalmente desnecessária.

Filme de boas interpretações, filme de boa direção, bem incrustado na filmografia clássica. Não inova, mas convence.

Cotação: Bom

O Virgem de 40 anos


O Virgem de 40 anos (The 40-Year-Old Virgin), 2005. EUA. De Judd Apatow

Se eu fosse católico, mais cedo ou mais tarde teria que confessar (pois para eles, esse é um sacramento importante).

Imagino a cena.

- Pequei padre.

- Por que meu filho?

- Assisti ao filme O virgem de 40 anos.

- E daí?

- Senti vontade de matar!

- Por quê?

- Quem fez aquele filme não merece viver.

- O filme é tão ruim assim meu filho?

- É sim padre. Sabe aquela história de “loser or winner”, defesa da monogamia, culpabilização do onanismo e pornografia? Pois é, o filme é sobre tudo isso.

- Então o filme não é tão ruim assim! Pois nós acreditamos nisso!!

- Padre, o cara tem quarenta anos, nunca fez sexo, tem um quarto cheio de brinquedos, é infeliz e anti-social. Um dia seus amigos descobrem seu “segredinho” e tentam ajudá-lo a ter uma primeira transa (desculpe o palavreado padre). O cara se apaixona e cresce, isso significa: livrar dos seus brinquedos, ser promovido no trabalho e desenvolver relação estável com uma única mulher.

- Aonde você quer chegar meu filho?

- Bem padre, o sexo nessa concepção é prisão e não libertação. Amar significa seguir o American Way of Life. Isso sem falar da forma negativa como as mulheres são apresentadas.

- Mas meu filho, esse filme é extremamente conservador, exatamente o discurso que prezamos. Tem tudo a ver com nossa cabeça retrógrada.

- Padre, ele só faz sexo depois de construir uma relação estável, isso aos 40 anos!

- Deus o abençoe por isso. É bom ver que o cinema americano ainda se preocupa com os bons costumes!

É por isso que não sou católico, para não sentir culpa por desejar uma morte dolorosa para todos aqueles envolvidos com essa obra prima do pseudo-puritanismo americano.

Amém!

Cotação: Péssimo