Jogos de Poder (Charlie Wilson’s War), 2007. EUA. De Mike Nichols
A possibilidade de um desfecho desfavorável no Iraque tem preocupado largos setores da sociedade americana, da população leiga aos políticos, dos militares nacionalistas a intelectualidade esclarecida.
Nos últimos tempos, várias produções hollywoodianas têm abordado esse tema, com maior ou menor habilidade. Mike Nichols é um cineasta crescido e, supõe-se, ele sabe o que está fazendo. Ora, que Nichols siga a corrente política que bem entender, mas em sua idade a ingenuidade é algo que não cai bem.
Em Jogos de Poder (tradução idiota) temos um genuíno exemplar da direita americana. A projeção nos surpreende desde o começo, quando o nome de Charles Wilson aparece pintado nas cores azul e vermelha, projetado, em seguida, sobre uma bandeira americana.
Como narrativa conservadora, o filme possui uma visão teleológica e facistóide da história. No decorrer de uns 90 minutos somos convencidos do argumento de que aos Estados Unidos cabe o direito de ditar o curso do mundo. Em começos dos anos oitenta a União Soviética invadiu o Afeganistão, iniciava-se um conflito de forças desigual, no qual a população do país invadido tentava, de forma desesperada, resistir ao avanço do exército vermelho
Em Houston, uma socialite, com dons de profetiza, enxergou que essa era a possibilidade da democracia americana derrotar o império comunista. Ela sugere ao congressista Charlie Wilson que intensifique o auxílio bélico ao Afeganistão, com intuito de superaquecer os gastos soviéticos, levando-os a bancarrota. Concepção voluntarista da história, na qual duas pessoas puderam decidir os acontecimentos mais marcantes do último quartel do século XX.
Em última análise, o que se prescreve é que o império soviético estava pré-determinado à falência, o que revela um desconhecimento da dinâmica interna dessa potência. A experiência socialista foi encerrada unicamente porque um congressista, apreciador de bebidas, cocaína e mulheres (até que ele é um cara legal), concluiu que caberia ao governo americano a missão de salvar os afegãos.
Sim, trata-se de uma salvação. Pois o cruel Império Soviético invadiu o Afeganistão. Pois o cruel Império Soviético entrou em uma guerra desigual, usando modernas tecnologias contra rifles ultrapassados. Pois o cruel Império Soviético atirou contra a população civil, destruiu suas casas e torturou pessoas indefesas, aleijando mulheres e crianças. Como o exército soviético é cruel. A democracia americana jamais cometeria tais deslizes.
As cenas do exército vermelho são caricatas, resquícios da propaganda da Guerra Fria. Em um momento, a câmera mostra a perspectiva das armas dos helicópteros russos que atiram contra os civis, a música de fundo é um hino soviético. Em outra cena, antes de partir para o combate, antipáticos soldados riem cinicamente da desgraça dos afegãos, demonstrando total insensibilidade.
Essa denúncia, feita justamente pelo país que inventou o conceito de guerra cirúrgica, só pode ser um sarcasmo pré-meditado.
A mensagem do filme é clara. Ela diz: “Armamos os fundamentalistas, pois eles foram necessários para combater o exército vermelho. Naquele momento essa ação contribuiu com a democracia, infelizmente perdemos o controle sobre esses grupos”.
O que não deixa de ser uma verdade, mas, chamar a realpolitik contemporânea de luta pela liberdade universal já é ume exagero. Aliás, em outra cena, surge novo vidente para alertar que, em um futuro próximo, aqueles mulçumanos gritando o nome de Deus seriam um problema para a América.
Teleologia: o islamismo estaria pré-determinado a se voltar contra o “Ocidente”. A América não teria participação nenhuma nesse processo, esqueça-se a proteção a Israel, suas pretensões geopolíticas e a insaciável sede de petróleo.
Alguns momentos da narrativa deslizam para a pieguice explícita, quando Charlie Wilson visita o campo de refugiados no Paquistão, comovendo-se com a miséria local. Cabe questionar a possível reação desse humanitário político perante a destruição que sua democracia promoveu no Vietnã.
Em suma, o que Jogos de Poder esclarece é a legitimidade da espionagem, o direito dos Estados Unidos interferir de forma direta ou não na vida de outros países. Desde que estejam no sentido contrário do bem comum, que só por acaso coincide com seus interesses particulares.
Em um dos piores momentos do filme, Charlie Wilson confessa para sua assistente puxa-saco seu amor pela América. Os olhos da garota (bem bonitinha por sinal) lacrimejam e ela transparece toda a admiração pelo seu chefe. Alguém menos acrítico diria:
“Então você se apaixonou pela América em função da possibilidade de se manipular os negros nas eleições em proveito de suas pretensões particulares?”
Charlie Wilson, com seu maneirismo típico diria: “Sir, Woman”.
Vindo de um apreciador de álcool, cocaína e strippers, há mesmo certa coerência. Como eu havia dito, Charlie Wilson é um cara legal.
Pelo menos para a Era Reagan.
Cotação: Bom
sábado, 1 de março de 2008
Pefume
Perfume – a história de um assassino (Perfume: The Story of a Murderer), 2006. Alemanha/Espanha/França. De Tom Tykwer.
O filme se passa na primeira metade do século XVIII, por isso há vários anacronismos que são intoleráveis. Alguns personagens agem como se estivessem em um momento pós-freudiano, ao tentar “entrar na mente do assassino”. Há vários termos que simplesmente inexistiriam naquele momento, a própria noção de perversão sexual, que uma personagem insinua em um dado momento, é incompatível com aquele período.
No século XVIII não havia legistas para certificar se as vítimas foram estupradas. Pelo amor de Deus! Autópsias e dissecações ainda eram um tabu... que dirá a medicina legal.
Porém é verdade que qualquer filme que não seja ambientado no presente ou num passado próximo será em certa medida anacrônico. Aliás, o cinema não tem que ter nenhum compromisso com a verossimilhança histórica, a MENOS que essa desobrigação se torne um problema para o roteiro ou a direção.
É o que ocorre em Perfume, na segunda metade da projeção a trama se desmorona completamente. É um filme de serial killer, e pronto... aquela sugestão sexual típica, aquele jogo de gato e rato, aquela identificação com o assassino, aquela ambigüidade moral muito artificial. A única diferença é que é no século XVIII.
A primeira metade do filme é indiscutivelmente superior. Vemos como o nascimento e o crescimento do jovem Jean-Baptiste Grenouille, um órfão que possui um sentido de olfato muito apurado. Sua intenção é conhecer os aromas e depois conseguir perenizá-los através de técnicas de perfumaria. É interessante observarmos como o mundo se revela diferente para o personagem, pois ao contrário da maioria dos seres humanos não é a visão seu sentido prioritário.
Ele é um maldito, sua presença nunca é bem quista e seu afastamento sempre deixa seqüelas desagradáveis. O jovem Genouille é uma anomalia entre os homens... mas isso não o traz infelicidade, pois o que ele procura é exatamente o singular, o etéreo. A temática do filme é interessante, até a narrativa centrar-se no enfoque dos assassinatos cometido pelo jovem perfumista.
É uma pena que as atitudes de alguns personagens não sejam coerentes com a França setecentista, pois os cenários foram muito bem produzidos. A precariedade das remanescentes construções medievais, em um momento de explosão urbana, é convincente. Há uma cena em que a câmera focaliza os barcos com os pescadores e, em seguida, faz um movimento vertical para cima, mostrando as pontes repletas de habitações. Esse apuro revela uma direção de arte bem entendida com a proposta do filme, causar um estranhamento no expectador.
Os figurinos também estão satisfatórios, drapeados usados pelos pobres sendo contrapostos às roupas ajustadas especialmente para os nobres. Uma maneira sutil e eficiente de mostrar as diferenças sociais no século XVIII.
Perfume é um filme com acertos e muito mais desacertos. Embora com discussões interessantes, sua pretensa complexidade acaba desmascarada pela insistência em se tornar um trilher de assassinos... uma história de bandido e mocinho...
Vamos ser justos, o filme tem seus bons momentos, ele não chega a cair, mas que dá uma escorregada, vexatória e irrecuperável, isso dá!
Cotação: fraco
O filme se passa na primeira metade do século XVIII, por isso há vários anacronismos que são intoleráveis. Alguns personagens agem como se estivessem em um momento pós-freudiano, ao tentar “entrar na mente do assassino”. Há vários termos que simplesmente inexistiriam naquele momento, a própria noção de perversão sexual, que uma personagem insinua em um dado momento, é incompatível com aquele período.
No século XVIII não havia legistas para certificar se as vítimas foram estupradas. Pelo amor de Deus! Autópsias e dissecações ainda eram um tabu... que dirá a medicina legal.
Porém é verdade que qualquer filme que não seja ambientado no presente ou num passado próximo será em certa medida anacrônico. Aliás, o cinema não tem que ter nenhum compromisso com a verossimilhança histórica, a MENOS que essa desobrigação se torne um problema para o roteiro ou a direção.
É o que ocorre em Perfume, na segunda metade da projeção a trama se desmorona completamente. É um filme de serial killer, e pronto... aquela sugestão sexual típica, aquele jogo de gato e rato, aquela identificação com o assassino, aquela ambigüidade moral muito artificial. A única diferença é que é no século XVIII.
A primeira metade do filme é indiscutivelmente superior. Vemos como o nascimento e o crescimento do jovem Jean-Baptiste Grenouille, um órfão que possui um sentido de olfato muito apurado. Sua intenção é conhecer os aromas e depois conseguir perenizá-los através de técnicas de perfumaria. É interessante observarmos como o mundo se revela diferente para o personagem, pois ao contrário da maioria dos seres humanos não é a visão seu sentido prioritário.
Ele é um maldito, sua presença nunca é bem quista e seu afastamento sempre deixa seqüelas desagradáveis. O jovem Genouille é uma anomalia entre os homens... mas isso não o traz infelicidade, pois o que ele procura é exatamente o singular, o etéreo. A temática do filme é interessante, até a narrativa centrar-se no enfoque dos assassinatos cometido pelo jovem perfumista.
É uma pena que as atitudes de alguns personagens não sejam coerentes com a França setecentista, pois os cenários foram muito bem produzidos. A precariedade das remanescentes construções medievais, em um momento de explosão urbana, é convincente. Há uma cena em que a câmera focaliza os barcos com os pescadores e, em seguida, faz um movimento vertical para cima, mostrando as pontes repletas de habitações. Esse apuro revela uma direção de arte bem entendida com a proposta do filme, causar um estranhamento no expectador.
Os figurinos também estão satisfatórios, drapeados usados pelos pobres sendo contrapostos às roupas ajustadas especialmente para os nobres. Uma maneira sutil e eficiente de mostrar as diferenças sociais no século XVIII.
Perfume é um filme com acertos e muito mais desacertos. Embora com discussões interessantes, sua pretensa complexidade acaba desmascarada pela insistência em se tornar um trilher de assassinos... uma história de bandido e mocinho...
Vamos ser justos, o filme tem seus bons momentos, ele não chega a cair, mas que dá uma escorregada, vexatória e irrecuperável, isso dá!
Cotação: fraco
Patton
Patton – rebelde ou herói? (Patton), 1970. EUA. De Franklin James Schaffner.
África, Segunda Guerra Mundial.
A cena é desoladora. As marcas de um combate recém travado são evidentes. Os veículos estão destruídos, há restos de incêndios, crateras causadas pelas explosões, armas espalhadas e retorcidas. Porém, o mais angustiante são os corpos, alguns estão semi-cabronizados, outros, deitados em suas próprias poças de sangues, em alguns faltam membros. Oficiais e soldados jazem junto ao chão. Não há mais vida.
General Patton (George Scott), ao se deparar com essas imagens, com os restos de seus próprios homens, respira fundo e, com muita convicção, afirma que ele ama aquele cenário, que ele nasceu para vivenciar aquela experiência.
Sim. Patton é um homem antigo, é um guerreiro nato. Ele ama a guerra assim como os demais amam a paz. Ele não se encaixa naquele paradigma do militar patriota que luta pelo seu país. Sem dúvida ele combate pela bandeira dos Estados Unidos, mas, acima de sua nação, está sua honra de guerreiro, sua vontade de glórias. Patton é o Aquiles do século XX.
Como a narrativa do filme faz questão de evidenciar, ele é anacrônico, quer manter a ética de guerreiro em meio a uma era tecnológica. Como comandante ele é assustador, inflige ânimo aos soldados e oficiais, mas é intransigente com as titubeações. No hospital, expulsa um soldado com neurose de guerra, pois para ele isso era apenas covardia. Porém, Patton se comove ao ver seus soldados que tombaram em combate, trata os sobreviventes de forma paternal.
Para mostrar-se superior ao general alemão Romel, seu inimigo, e também ao general inglês Montgomery, seu aliado, põe em risco todo o seu exército. Ele não se incomoda em enviar seus homens em direção ao ataque frontal, mesmo sabendo que não voltarão vivos.
Patton é militarista e militaresco. Ele preza a pompa militar, as homenagens que recebe, as medalhas, as glórias. Ele é vontade de potência, quer mostrar ao mundo seu instinto.
É aí que reside o elemento trágico, que novamente o aproxima dos heróis clássicos. A falta de discernimento político do general é a responsável pelas imprudências que ele diz ao público. Coisas que embaraçam os políticos (como o pouco caso que ele faz da Rússia), ao escancarar o que deveria permanecer velado. Por isso, Patton sempre ficou de fora dos maiores combates, pois os políticos e diplomatas o julgam perigoso demais para as delicadas relações entre os países aliados.
O maior combatente é sempre deixado de fora dos maiores combates. De longe, general Patton contempla o lugar onde gostaria de estar. Ele se esforça, em vão, para ser posto na linha de frente. Quer está em um lugar no qual muitos gostariam de fugir.
Um bom guerreiro, mas um péssimo homem. Como nas tragédias gregas, ele se sente de mãos atadas para cumprir uma tarefa a que se julga predestinado. Sua sina é sabotar a si próprio e se impedir de cumprir a grandiosa missão que os deuses o atribuíram: conduzir homens para a guerra, guiar os soldados a um local onde deverão matar e serem mortos.
Cotação: Ótimo
África, Segunda Guerra Mundial.
A cena é desoladora. As marcas de um combate recém travado são evidentes. Os veículos estão destruídos, há restos de incêndios, crateras causadas pelas explosões, armas espalhadas e retorcidas. Porém, o mais angustiante são os corpos, alguns estão semi-cabronizados, outros, deitados em suas próprias poças de sangues, em alguns faltam membros. Oficiais e soldados jazem junto ao chão. Não há mais vida.
General Patton (George Scott), ao se deparar com essas imagens, com os restos de seus próprios homens, respira fundo e, com muita convicção, afirma que ele ama aquele cenário, que ele nasceu para vivenciar aquela experiência.
Sim. Patton é um homem antigo, é um guerreiro nato. Ele ama a guerra assim como os demais amam a paz. Ele não se encaixa naquele paradigma do militar patriota que luta pelo seu país. Sem dúvida ele combate pela bandeira dos Estados Unidos, mas, acima de sua nação, está sua honra de guerreiro, sua vontade de glórias. Patton é o Aquiles do século XX.
Como a narrativa do filme faz questão de evidenciar, ele é anacrônico, quer manter a ética de guerreiro em meio a uma era tecnológica. Como comandante ele é assustador, inflige ânimo aos soldados e oficiais, mas é intransigente com as titubeações. No hospital, expulsa um soldado com neurose de guerra, pois para ele isso era apenas covardia. Porém, Patton se comove ao ver seus soldados que tombaram em combate, trata os sobreviventes de forma paternal.
Para mostrar-se superior ao general alemão Romel, seu inimigo, e também ao general inglês Montgomery, seu aliado, põe em risco todo o seu exército. Ele não se incomoda em enviar seus homens em direção ao ataque frontal, mesmo sabendo que não voltarão vivos.
Patton é militarista e militaresco. Ele preza a pompa militar, as homenagens que recebe, as medalhas, as glórias. Ele é vontade de potência, quer mostrar ao mundo seu instinto.
É aí que reside o elemento trágico, que novamente o aproxima dos heróis clássicos. A falta de discernimento político do general é a responsável pelas imprudências que ele diz ao público. Coisas que embaraçam os políticos (como o pouco caso que ele faz da Rússia), ao escancarar o que deveria permanecer velado. Por isso, Patton sempre ficou de fora dos maiores combates, pois os políticos e diplomatas o julgam perigoso demais para as delicadas relações entre os países aliados.
O maior combatente é sempre deixado de fora dos maiores combates. De longe, general Patton contempla o lugar onde gostaria de estar. Ele se esforça, em vão, para ser posto na linha de frente. Quer está em um lugar no qual muitos gostariam de fugir.
Um bom guerreiro, mas um péssimo homem. Como nas tragédias gregas, ele se sente de mãos atadas para cumprir uma tarefa a que se julga predestinado. Sua sina é sabotar a si próprio e se impedir de cumprir a grandiosa missão que os deuses o atribuíram: conduzir homens para a guerra, guiar os soldados a um local onde deverão matar e serem mortos.
Cotação: Ótimo
Assinar:
Postagens (Atom)