sexta-feira, 5 de março de 2010

Caçados



Caçados (Prey), 2007. África do Sul/ EUA. De Darrel Roodt

Racista, antropocêntrico e absurdo!

Cólicas de tanto rir! Rir para não chorar.

Uma família de loiros americanos na África!

Pai, madrasta e dois filhos, os Newman.

O pai é engenheiro e foi para a África fazer uma BARRAGEM!

(meu Deus... que edificante...)

Enquanto ele está dando duro, levando o PROGRESSO à África, a madrasta (loira boazuda) e as crianças fazem um SAFARI!

Porém pegam uma rota indevida, o guia é devorado por leões selvagens (como é que é?) e eles ficam perdidos, dentro do jipe ecologicamente incorreto, no meio do nada!

Meu Deus, eles estão na ÁFRICA SELVAGEM!

Perdidos, completamente isolados da civilização!

(Tensão com musiquinha brega!)

Agora pasmem, a família loira americana construtora de barragens que anda em jipe nas savanas africanas são os heróis. Os monstros são os leões.

É impressão minha ou há algo de podre nisso?

Esperem, não acabou, os aplausos ficam para o caçador que ajuda na busca aos desaparecidos, especialista em grandes feras... Mas não nos esqueçamos das cenas em que aparecem os africanos, cortando os restos dos leões abatidos, tal como se fossem hienas.

Entendem o paralelo? Os brancos = os leões, os negros = as hienas... ficou claro ou alguém quer um infográfico?

Ei! Há um nazi-sinal sendo projetado nos céus da cidade!

Também somos agraciados com frases maravilhosas, quando o Mr. Newman (O loiro pai!) desabafa impetuosamente:

Eu vou entrar naquele carro e vasculhar cada centímetros desse continente até encontrar minha família”.

Ouíe Mr. White, aproveita que você está com as mãos na massa e descobre também a nascente do Nilo, se não for pedir demais, dá um pulinho lá na Antártida

Mas não se preocupem, no final, a civilização branca vence a selvageria, graças aos recursos disponíveis (com ênfase no JIPÃO 4x4).

Os leões malvados são abatidos. Tão tocante ver o fardo do homem branco.

Cotação: Péssimo

06 de março de 2010

terça-feira, 2 de março de 2010

O Lobisomem



O Lobisomem (The Wolfman), 2010. Reino Unido/ EUA. De Joe Johnston

Lawrence Talbot é ator de teatro, especialista em interpretações shaekesperianas, faz parte de uma companhia de Nova York. Durante sua turnê pela Inglaterra recebe a notícia de que seu irmão se perdeu no bosque, ele retorna ao vilarejo onde nasceu na tentativa de ajudar nas buscas. Lawrence reencontra seu pai, um homem frio e misterioso, que comunica o falecimento do irmão, encontrado em estranhas condições, parcialmente devorado por uma fera.

Durante a noite, Talbot vai ao acampamento cigano, em busca de maiores informações, mas acaba sendo ferido pela criatura. Apesar da gravidade do ataque, recupera-se rapidamente, seu corpo sofre, no entanto, transformações, e durante a noite de lua cheia, a maldição da licantropia emerge.

Ao amanhecer, o pobre amaldiçoado é capturado por um investigador da Scotland Yard, sob a alegação de demência e múltiplos assassinatos. Lawrence Talbot é encaminhado para um sanatório, o mesmo local em que ele esteve quando criança a pedido do pai. Todos o tomam como louco, exposto ao escrutínio e escárnio público, os psiquiatras querem que Talbot veja a lua cheia para compreender o desvio da realidade que ele operou.

Inicia-se o discurso de um médico sádico sobre os significados da normalidade, uma visão oitocentista da ciência que nega o lugar do místico, uma versão bem simplificada (quase comicamente) daquilo que o censo comum chamaria de psicanálise freudiana. No entanto, a lua aponta no céu e o monstro insurge, dilacerando os arrogantes de casaca e fugindo para as ruas londrinas. Inicia-se uma perseguição, o investigador tenta acompanhar o movimento do animal e nessa trajetória ele encontra com um subordinado, ao que pergunta: “Por um acaso você não teria uma bala de prata aí?”.

Frase essencial para a compreensão do filme, de forma irônica e auto-referenciada o personagem admite a impossibilidade do fato (repetindo o que os médicos haviam dito na cena anterior), mas dessa vez vem junto uma confissão, quase um carimbo: “Este é um filme de horror”. A espontaneidade operada por esse mecanismo repete-se em outro momento, quando a heroína ao descobrir o terrível desígnio do amado, propõe-se a interceder por ele, “Se isto é possível, tudo é possível, magia é possível, Deus é possível”. Não há muito espaços para o ceticismo, não obstante a proposta pseudo-cientificista sugerida de forma rasteira.

Assim, há certa seriedade nessa película, apesar das vulgaridades estéticas e dos chavões típicos de filmes de lobisomem. A taberna de cervejeiros supersticiosos e a turba de homens enfurecidos empunhando tochas na escuridão estão, previsivelmente, presentes. Além disso, a fotografia escurecida, o ar pós-vitoriano de decadência e uma essência de ultra-romantismo démodé se constituem nos principais elementos para a construção cênica.

A representação do campo (área rural) tende para o sobrenatural, com ciganos, simulacros de Stonehenge e cenários enevoados. A cidade também mostra seu lado ameaçador, com a impessoalidade das ruas, a frialdade da iluminação a gás e a igualmente esperada fog londrina, sem se esquecer dos planos gerais nos quais vemos as chaminés das locomotivas e das indústrias expelindo uma fumaça escurecida.

A cena da perseguição na cidade sugere a noção de uma selva urbana – sendo, inclusive, um dos momentos mais consistentes do filme – que acaba por nos remeter a dois clássicos do cinema de horror, King Kong e (o dúbio, mas igualmente influente) Lobisomem Americano em Londres.

Porém, o que há de interessante em The Wolfman reside em seus subtextos, em primeiro lugar na proposta, fracassada frisa-se bem, de conferir um ar psicanalítico ao personagem. Ao voltar a sua antiga morada, seus traumas de infância retornam e ele se depara com as memórias trancadas no porão de sua mente pela terapia de choque sofrida no sanatório.

Ressalta-se também o ar hamletiano conferido, a sina autofágica inscrita na família Talbot. Há uma tragédia que só pode em compreendia em sua inteireza após a última batalha entre as criaturas noctívagas, com soluções extremadas, onde o amor não oferece espaço para a salvação. A mágoa e o rancor são, portanto, os principais efeitos da maldição da licantropia.

O incêndio da mansão dos Talbot tem uma previsibilidade irritante, típica solução para uma novela neogótica que parece parodiar (e só uso esta palavra por elegância, já que há outra mais apropriada) o conto “A casa de Usher” de Edgar Allan Poe. Todo modo, esta cena, como muitas outros possui uma textura visual eficaz. O filme como um todo é quase palpável e não há muitas intenções de amenizar os embates, sejam nos ataques das feras ou nos relacionamentos pessoais.

Fecha-se com o questionamento sobre a relação homem-fera. Onde começa um, onde termina outro? Pouco importa, pois permanece a impossibilidade da redenção.

Cotação: Regular.

01 de março de 2010

sexta-feira, 19 de fevereiro de 2010

Um Olhar do Paraíso


Um Olhar do Paraíso (The Lovely Bones), 2009. Nova Zelândia/ Reino Unido/ EUA. De Peter Jackson

O que aconteceria se Hitchcock dirigisse Ghost?

Não importa se são zumbis, elfos ou gorilas gigantes. Ou você é ou você não é.

Peter Jackson é. Simplesmente genial.

Repito meu bordão inicial, Um Olhar no Paraíso parece ser Ghost produzido do ponto de vista de Alfred Hitchock, o grande mestre do suspense. Um trabalho que apresenta uma perspectiva intimista ao recriar o universo de uma garota de 14 anos assassinada por um serial killer.

As minhas reservas iniciais quanto ao argumento – a representação de um psicopata pedófilo que se esconde no subúrbio me parece a perfeita paranóia fascista – rapidamente se esfacelaram frente à solidez do roteiro e à fluidez da narrativa.

Susie Salmon é uma adolescente bonita, inteligente e promissora, mas teve sua vida precocemente interrompida, sem se conformar com seu destino, ela acaba presa entre o mundo dos vivos e algo que poderíamos chamar de “além”. O desenvolvimento da história ganha seriedade ao acompanhar as implicações que o desaparecimento de Susie teve na vida de sua família e mesmo no cotidiano do seu assassino, uma pessoa fria e perturbada, que passa a cultivar um interesse pela irmã mais nova da vítima.

O brilhantismo da película transparece na maneira quase meticulosa do diretor em retratar as confusões da adolescente na busca por um sentido para sua breve vida. Já o pai da jovem torna-se um obcecado por vingança, buscando encontrar o assassino e fazer justiça pelas próprias mãos. Mas ao contrário do que se poderia esperar, a tessitura de Um Olhar no Paraíso é marcada pelo imprevisto, com pouco lugar para obviedades. Assim, a promessa de vingança não se completa e o sentimento de redenção (e não retaliação) estrutura todo o arco dramático. Mesmo as pendências de Susie no mundo dos vivos não possuem relação com a ânsia por uma punição, mas sim com a necessidade de um amadurecimento emocional.

Susan Sarandon também se mostra a altura do projeto, ao recriar a avó da jovem Salomon, uma mulher extremamente forte (sem com isso deixar de ser alcoólatra) que auxilia na reconstrução da família, esperadamente despedaçada e traumatizada.

As cenas que envolvem o assassino estão imersas em um tempo hitchcockiano, quando acompanhamos suas estratégias para esconder seus atos; pequenos movimentos que ocultam as provas e garantem sua impunidade. Quase implorando para ser descoberto, ele provocativamente assume o risco (fonte de prazer para todo bom psicopata do cinema de matriz hollywoodiana) em se expor e em se insinuar para a família de Susie e às autoridades.

Ainda que o “espectro” da garota assassinada odeie o executor, não há interação direta entre os dois. Nos momentos derradeiros, Susie opta somente em expressar um gesto de carinho para alguém que ela amava, desinteressando-se em denunciar seu malfeitor.

Leitura poética que entende vida/morte dentro de uma compreensão mais densa, com a noção de que “um dia todos terão que partir”, valorização do luto e do tempo como dissolventes de mágoas. O amadurecimento traz o completo descarte da vingança como norteador da vida, não obstante o "final de vilão de novela das oito" reservado ao assassino (a gordurinha desnecessária do projeto...).

Uma obra que encanta pela mensagem humanista, pela positivação dos laços afetivos e, sobretudo, pela recusa ao moralismo de tonalidades nazis tão afeito em justificar os linchamentos exemplares.

Independentemente do perecimento físico representar o término de uma etapa, a vida segue resoluta, cicatrizando feridas, tampando buracos. Lição de que o ciclo nascer/morrer sempre há de prevalecer, apesar das injustiças que atravessam nossas breves existências.

Cotação: Ótimo.

19 de fevereiro de 2010