O
filme aborda a loucura dos tempos atuais em uma comédia de humor negro que
funciona como alegoria da internet. A crueldade das redes sociais estampada na
construção/destruição de subcelebridades, na cultura do cancelamento e nos
tensos liames do real/virtual são bem trabalhadas na história de um professor
universitário frustrado chamado Paul Mathieu (Nicolas Cage) que passa a ser uma
figura recorrente no sonho de pessoas conhecidas e desconhecidas.
Mathieu
tinha uma vida convencional como catedrático de Biologia Evolutiva, mas se sentia desgostoso por não consegui publicar e injustiçado por não receber os créditos
merecidos por seu trabalho. A figura de Mathieu expressa um homem com potência,
mas estagnado em uma figura entediante, medíocre e cheia de recalques pessoais
e profissionais.
Ele
gostaria de ter maior notoriedade o que acontece tão logo as pessoas passam a
sonhar com ele de forma recorrente. Em pouco tempo sua imagem viraliza e Paul alcança
um tipo infame de reconhecimento. Nesse ínterim ele se depara com situações negativas, até
então imprevistas, geradas pela tão almejada atenção.
Dream
Scenario funciona como denuncia da volubilidade da plateia virtual, mas vai
além ao oferecer um personagem bem construído – méritos para Nicolas Cage (nosso
Nicão*). A sensação de apatia do homem mediano enfrentado por Paul Mathieu o
aproxima do professor Larry Gopnik do filme Um homem sério (2009)
dos irmãos Coen. É curioso como a docência parece indicar em ambas as projeções
um lugar de amargura e invisibilidade.
Mas se os Coen constroem um texto fílmico minimalista (ainda que com toques de nonsense), Kristoffer Borgli envereda pelo humor depreciativo com a transformação do absurdo em terror. As pessoas se revelam incapazes de captar a diferença entre o visitante dos sonhos e o homem de carne e osso. A relação entre dar e receber das redes sociais cria monstros, e não é preciso muita coisa para alguém se tornar o frankenstein da vez rodeado pela multidão irada de campônios com tochas nas mãos. Mathieu reluta em abrir mão das oportunidades criadas pelo singular fenômeno; aliás é curioso perceber que mesmo ele sendo um suposto pesquisador demonstra pouco interesse em entender as causas do evento. Ele se julga criador sendo que na verdade é criatura.
O
filme acaba prejudicado pelo capítulo final, a mudança de arco que se não
é de todo incoerente compromete a força do conjunto. A narrativa opta por levar
até as últimas consequências o paralelo com as celebridades da internet, mas ao
tomar esse rumo desfoca o ângulo metafísico acerca das agruras do personagem. O
desdobramento do clímax – o confronto entre real e onírico – cai em um
didatismo desnecessário.
Ainda
assim, o filme tem muitos méritos e se pudermos apresentar o nosso veredito
sobre o Nicão, devemos dizer que esse é o Nicolas Cage que queremos ver! Ele
abraça outros “losers” como o já citado professor Larry Gopnik (Michael
Stuhlberg), o escritor fracassado de Sideways
(2004) Miles Raymond, interpretado por
Paul Giamatti, e o roteirista Charlie Kaufman do filme Adaptação (2002) interpretado
por Nicolas Cage...
Opa,
voltamos a ele outra vez.
Cotação: ☕☕☕
* Confira o projeto Bem-vindo ao Código Cage