Robocop, 2014. EUA. De José Padilha
Robocop é um excelente filme sobre as relações
entre Estado e corporações privadas, além disso, consegue tematizar com muita
propriedade a “condição ciborgue” do mundo em que vivemos. Superior ao original
de 1987, essa versão apresenta um roteiro mais sólido e menos apressado. A construção
da personalidade do Robocop (a tensão máquina-homem) é detalhada na primeira
parte do filme.
O mundo revelado em Robocop sugere as relações
estreitas entre a mídia, o conservadorismo e o interesse da indústria bélica. Há
também uma contraposição entre a sociedade americana (se sustentando, ainda, como uma democracia) e o resto do mundo, um quintal aberto aos
interesses imperialistas dos Estados Unidos. Aliás, arrisco dizer que o
preâmbulo – quando as máquinas de guerras americanas entram em operação no
estrangeiro – é o melhor momento da narrativa.
Os vilões também merecem destaque ao se afastarem
dos desgastados esquadros maniqueístas. O cientista Gary Oldman, por exemplo,
revela uma preocupação com seu paciente (Detive Murphy/Robocop), priorizando,
no entanto, sua própria reputação de pesquisador. Já Michael Keaton se
transforma em um inescrupuloso executivo, disposto a tudo para alcançar seus
objetivos, mas também capaz de fornecer uma segunda chance aos inimigos, propondo
os caminhos mais favoráveis para a rendição.
O desfecho do filme traz a ostentação do nacionalismo americano sob um prisma negativo. É testemunho da coragem de José Padilha em atacar
um ponto nevrálgico do imaginário estadunidense: a percepção de que seriam eles
os protetores do mundo.
Mas é uma pena que o enredo principal gire em torno
de uma perseguição aos criminosos que atentaram contra o detetive Murphy
(depois transformado em Robocop). Com efeito, as histórias de vingança
continuam em alta! O que não deixa de ser uma contradição, pois se a “mensagem”
do filme é a sanha militarista americana, a noção de vingança como um ato
legítimo não é questionada em momento algum.
Nesse sentido, as falas do jornalista Patrick Novak
(Samuel L Jackson) defendendo a agressão a todos os que ameacem a América
continuam fazendo sentido. Pois ao fim e ao cabo o imaginário da "guerra justa"
continua intocável, persistindo a fantasia do ciborgue vingador.
Hollywood não pode escapar de seus compromissos
políticos, ainda que eventualmente flerte com um esquerdismo antimilitarista.
Cotação: bom.