sábado, 6 de maio de 2017

Robocop






Robocop, 2014. EUA. De José Padilha

Robocop é um excelente filme sobre as relações entre Estado e corporações privadas, além disso, consegue tematizar com muita propriedade a “condição ciborgue” do mundo em que vivemos. Superior ao original de 1987, essa versão apresenta um roteiro mais sólido e menos apressado. A construção da personalidade do Robocop (a tensão máquina-homem) é detalhada na primeira parte do filme.

O mundo revelado em Robocop sugere as relações estreitas entre a mídia, o conservadorismo e o interesse da indústria bélica. Há também uma contraposição entre a sociedade americana (se sustentando, ainda, como uma democracia) e o resto do mundo, um quintal aberto aos interesses imperialistas dos Estados Unidos. Aliás, arrisco dizer que o preâmbulo – quando as máquinas de guerras americanas entram em operação no estrangeiro – é o melhor momento da narrativa.

Os vilões também merecem destaque ao se afastarem dos desgastados esquadros maniqueístas. O cientista Gary Oldman, por exemplo, revela uma preocupação com seu paciente (Detive Murphy/Robocop), priorizando, no entanto, sua própria reputação de pesquisador. Já Michael Keaton se transforma em um inescrupuloso executivo, disposto a tudo para alcançar seus objetivos, mas também capaz de fornecer uma segunda chance aos inimigos, propondo os caminhos mais favoráveis para a rendição.

O desfecho do filme traz a ostentação do nacionalismo americano sob um prisma negativo. É testemunho da coragem de José Padilha em atacar um ponto nevrálgico do imaginário estadunidense: a percepção de que seriam eles os protetores do mundo.

Mas é uma pena que o enredo principal gire em torno de uma perseguição aos criminosos que atentaram contra o detetive Murphy (depois transformado em Robocop). Com efeito, as histórias de vingança continuam em alta! O que não deixa de ser uma contradição, pois se a “mensagem” do filme é a sanha militarista americana, a noção de vingança como um ato legítimo não é questionada em momento algum.

Nesse sentido, as falas do jornalista Patrick Novak (Samuel L Jackson) defendendo a agressão a todos os que ameacem a América continuam fazendo sentido. Pois ao fim e ao cabo o imaginário da "guerra justa" continua intocável, persistindo a fantasia do ciborgue vingador.

Hollywood não pode escapar de seus compromissos políticos, ainda que eventualmente flerte com um esquerdismo antimilitarista.

Cotação: bom.

quarta-feira, 19 de abril de 2017

Morris from America





Morris from America, 2016. Alemanha, EUA. De Chad Hartigan 
             
Morris from America é um filme despretensioso, mas muito eficiente na construção de uma narrativa acerca do estranhamento. Trata-se da história de Morris, um afro-americano de 13 anos quemorando com o pai em Heidelberg, vivencia a dificuldade de adaptação, a experimentação de drogas e o despertar sexual.

Deparando-se com a alteridade, o garoto refugia-se em sua identidade étnica e cultural, uma estratégia de ressignificação do cotidiano. Insistindo em colocar-se como um “gangster”, ele é um ouvinte de rap em meio ao público da música eletrônica. Sua condição de estrangeiro não poderia ser maior, já que a música parece ser um dos principais eixos de ligação entre os jovens.

Gentry, o pai de Morris, é um técnico de futebol que tenta educar o garoto a partir de valores específicos e, naquele contexto, deslocados: trata-se da cultura urbana negra dos norte-americanos. Portanto, Gentry é um personagem contraditório, pois exige a obediência do filho ao mesmo tempo em que instiga a irreverência. Para isso ele expõe a própria trajetória de rapper juvenil e aventureiro.

Aliás, há uma passagem problemática (talvez a única), quando Gentry se recusa a ouvir as alegações de Inka, a dedicada e inteligente professora de alemão, quanto aos textos misóginos escritos por Morris. Desenha-se nitidamente a arrogância americana ao rechaçar as censuras feitas por Inka. O subtexto é óbvio: a misoginia precisa ser aceita no cenário rap.

Morris encontra-se perdido na bela cidade de Heidelberg, depara-se com o bullying dos alemãezinhos e a má vontade dos adultos. Mas é na paixonite do garoto pela nativa Katrin que está a chave para a imersão no mundo jovem alemão. Uma forma eficaz de revelar as diferenças culturais entre as adolescências americana e europeia.

Com um roteiro livre dos clichês, Morris from America expressa o lado poético e melancólico da juventude. Além disso, graças às personagens bem construídos, a adaptação e a alteridade aparecem como dimensões contraditórias: excitantes e amedrontadoras.

A compreensão quanto à globalidade da cultura afro-americana referencia a já aludida arrogância americana, mas não deixa de ser engraçado a postura de Morris com relação a Alemanha. Sua má vontade fica evidente no semblante carregado e no mau humor de um pré-adolecente. Enfim, um "gangster" com uma pistolinha de água. Eis o Novo Mundo ameaçando o Velho...

Cotação: Bom

domingo, 16 de abril de 2017

Sandy Waxler





Sandy Waxler, 2017. EUA. De Steven Brill.

Vez ou outra aparece o entendimento de que a indústria do entretenimento vai bem, pois nunca se investiu e se lucrou tanto quanto nos tempos presentes. Por essa perspectiva, os serviços de streaming exemplificariam a democratização da cultura e do lazer, pois haveria todo um acervo de experiências válidas e legalizadas acessíveis a partir de um clique.

Tal entendimento, no entanto, está longe de ser verdade e as evidências contra isso falam por si só! É o caso do irregular Sandy Wexler (2017), protagonizado pelo Adam Sandler e produzido e lançado diretamente no Netflix. O filme se passa nos anos 90 – o novo filão a ser explorado pelos nostálgicos – na cidade de Los Angeles, onde um empresário tenta projetar a carreira de clientes pouco talentosos.

Adam Sandler é Sandy Wexler, um caricato e carismático empresário. Ele se assume como “bobão” de fala arrastada, visual brega (mesmo para os anos 90) e comportamento antissocial. Mas fica a dúvida se Wexler é de fato um incompetente; a insistência em mostra-lo como desajustado não harmoniza com a sua facilidade de circulação nos círculos dos famosos, sempre encontrando colegas ou amigos que alcançaram o sucesso no show business.
 
É este o ponto que pretendo destacar, a autocongratulação de Sandy Wexler ao streaming. Há um conjunto recorrente de alusões e piadas que contrapõe os anos 90 aos “dias de hoje”. Possivelmente a intenção é vangloriar a possibilidade de sucesso para qualquer um que tenha talento – no plano de fundo encontra-se o autoelogio às plataformas do Netflix e do Youtube.

Sandy Wexler se propõe a fazer o que as redes sociais, os blogs, e os canais de vídeos hoje o fazem: tirar as pessoas do anonimato e dar-lhes o tão cobiçado reconhecimento.

Tanto que o ponto forte do filme baseia-se nas ironias contra aquele mundo anterior à universalização da internet. Waxler elogia a Blockbuster, desconhece o correio eletrônico e faz pouco caso da Pixar. Ou seja, como um genuíno homem dos anos 90, ele supõe que é no tête à tête e na articulação de contatos que se encontram as portas para o show business. A internet seria, naquele contexto, uma brincadeira de nerds.

Mas tendo em vista que a maior parte dos clientes de Waxler são nulidades (ventríloquo, malabarista, lutador de Westler) do mesmo naipe de muitas subcelebridades que hoje não abrem mão dos seus 15 minutos de fama, cabe o questionar se, afinal de contas, tal democratização da cultura seria a própria universalização do mal gosto e do apego aos pastiches.

Pois se o que a indústria cultural tem a oferecer (como algo original e feito diretamente para o streaming) é Sandy Waxler, fica desculpada a tendência de rememorar a década de 90.

Cotação: Regular