sexta-feira, 19 de fevereiro de 2010

Um Olhar do Paraíso


Um Olhar do Paraíso (The Lovely Bones), 2009. Nova Zelândia/ Reino Unido/ EUA. De Peter Jackson

O que aconteceria se Hitchcock dirigisse Ghost?

Não importa se são zumbis, elfos ou gorilas gigantes. Ou você é ou você não é.

Peter Jackson é. Simplesmente genial.

Repito meu bordão inicial, Um Olhar no Paraíso parece ser Ghost produzido do ponto de vista de Alfred Hitchock, o grande mestre do suspense. Um trabalho que apresenta uma perspectiva intimista ao recriar o universo de uma garota de 14 anos assassinada por um serial killer.

As minhas reservas iniciais quanto ao argumento – a representação de um psicopata pedófilo que se esconde no subúrbio me parece a perfeita paranóia fascista – rapidamente se esfacelaram frente à solidez do roteiro e à fluidez da narrativa.

Susie Salmon é uma adolescente bonita, inteligente e promissora, mas teve sua vida precocemente interrompida, sem se conformar com seu destino, ela acaba presa entre o mundo dos vivos e algo que poderíamos chamar de “além”. O desenvolvimento da história ganha seriedade ao acompanhar as implicações que o desaparecimento de Susie teve na vida de sua família e mesmo no cotidiano do seu assassino, uma pessoa fria e perturbada, que passa a cultivar um interesse pela irmã mais nova da vítima.

O brilhantismo da película transparece na maneira quase meticulosa do diretor em retratar as confusões da adolescente na busca por um sentido para sua breve vida. Já o pai da jovem torna-se um obcecado por vingança, buscando encontrar o assassino e fazer justiça pelas próprias mãos. Mas ao contrário do que se poderia esperar, a tessitura de Um Olhar no Paraíso é marcada pelo imprevisto, com pouco lugar para obviedades. Assim, a promessa de vingança não se completa e o sentimento de redenção (e não retaliação) estrutura todo o arco dramático. Mesmo as pendências de Susie no mundo dos vivos não possuem relação com a ânsia por uma punição, mas sim com a necessidade de um amadurecimento emocional.

Susan Sarandon também se mostra a altura do projeto, ao recriar a avó da jovem Salomon, uma mulher extremamente forte (sem com isso deixar de ser alcoólatra) que auxilia na reconstrução da família, esperadamente despedaçada e traumatizada.

As cenas que envolvem o assassino estão imersas em um tempo hitchcockiano, quando acompanhamos suas estratégias para esconder seus atos; pequenos movimentos que ocultam as provas e garantem sua impunidade. Quase implorando para ser descoberto, ele provocativamente assume o risco (fonte de prazer para todo bom psicopata do cinema de matriz hollywoodiana) em se expor e em se insinuar para a família de Susie e às autoridades.

Ainda que o “espectro” da garota assassinada odeie o executor, não há interação direta entre os dois. Nos momentos derradeiros, Susie opta somente em expressar um gesto de carinho para alguém que ela amava, desinteressando-se em denunciar seu malfeitor.

Leitura poética que entende vida/morte dentro de uma compreensão mais densa, com a noção de que “um dia todos terão que partir”, valorização do luto e do tempo como dissolventes de mágoas. O amadurecimento traz o completo descarte da vingança como norteador da vida, não obstante o "final de vilão de novela das oito" reservado ao assassino (a gordurinha desnecessária do projeto...).

Uma obra que encanta pela mensagem humanista, pela positivação dos laços afetivos e, sobretudo, pela recusa ao moralismo de tonalidades nazis tão afeito em justificar os linchamentos exemplares.

Independentemente do perecimento físico representar o término de uma etapa, a vida segue resoluta, cicatrizando feridas, tampando buracos. Lição de que o ciclo nascer/morrer sempre há de prevalecer, apesar das injustiças que atravessam nossas breves existências.

Cotação: Ótimo.

19 de fevereiro de 2010

sexta-feira, 29 de janeiro de 2010

Zumbilândia


Zumbilândia (Zombieland), 2009. EUA. De Ruben Fleischer

Minha regra é: Não confie nas gentis donzelas.

Os zumbis estão na moda. Se há um significado mais profundo nessa constatação que aos leitores fique a tarefa de encontrá-lo.

Digo apenas que me divirto muito com essa nova onda de filmes, repetição nem tão descarada dos mesmos jargões das demais produções hollywoodianas. O individualismo, a busca da realização romântica como objetivo supremo e a o “amadurecimento interno dos personagens” permanecem como fios da narrativa.

O mundo foi ceifado pela praga dos mortos vivos, poucos são os sobreviventes, isolados e fadados a perambularem em um mundo no qual as tarefas mais simples e corriqueiras passam a demandar tantos cuidados (ir ao banheiro público e não ser atacado se tornou uma nova regra para sobrevivência). Trata-se de uma terra de ninguém, onde as pessoas podem expressar seus lados mais obscuros e sombrios.

Ou não, pois o bom mocismo parece prevalecer, mesmo que de forma irreverente. Columbus continua sendo o mesmo patético e assustado nerd que, apesar de ter uma habilidade incomum para prever perigos e coordenar o caos (através de suas regras), não consegue resistir aos encantos da vigarista Wichita, que adora armar ciladas para o sexo não frágil, sem se importar muito com as conseqüências dos seus atos. Tudo isso em nome da autopreservação e da sua querida irmãzinha, Litle Rock.

Já Tallahassee repete o arquétipo do cara durão que desconhece o medo, mas que bem no fundo tem uma alma sensível. Apesar de corajoso e destemido, seu quase parceiro (Columbus) o arrastará para situações inusitadas, exigindo desse Crocodilo Dundee do século XXI a máxima excelência em extermínio dos zumbis.

A direção é hábil, conseguindo criar boas piadas ao explorar novos aspectos do gênero, ironias com alguns dos jargões mais característicos, não passando jamais dos limites do “irreverente mas comportadinho”. O roteiro aponta os clichês dos filmes de zumbis e até certo ponto se recusa a segui-los. No entanto, a velha cartilha da comédia romântica está presente dando um forte tom a composição. Em um mundo no qual os mortos andam, o nosso herói (Regra n. 17: Não seja um herói) parece mais interessado em se despir da sua virgindade do que respeitar as sábias regras do seu manual de sobrevivência.

O capítulo final, no qual os protagonistas enfrentam os mortos vivos em um parque de diversões, revela-se eficaz do ponto de vista dos filmes de zumbis. Trata-se da exteriorização de uma evidência: os mortos vivos deixaram de ser um gênero de horror acessível aos iniciados para cair no gosto do público geral. Nada mais apropriado do que esse cenário para o conflito derradeiro. A cantilena básica da fragilidade feminina, no entanto, é “revisitada”, mocinhas espertas, mas que precisam de cavaleiros e suas espadas para serem salvas.

O ciclo se fecha com a promessa de uma unidade familiar, mesmo que atípica. Porém, o clímax (apesar de satisfatório) não consegue rivalizar com um dos atos anteriores, quando um famoso ator hoolywoodiano é visto no bairro das celebridades, gerando umas das seqüências mais divertidas da projeção.

Desejo sutil de iconoclastia X saudosismo pelas décadas passadas. Está aí a nova fórmula desses sucessos sazonais. Zumbilândia não é perene, mas convence (confiram, por exemplo, Adventureland).

Tiros, pancadaria em cima dos mortos vivos, montanha russa, twinkies, frases de efeito e a eterna busca pelo rabo de saia. Nada faz muito sentido, e nem precisa.

Talvez Hollywood queira nos dizer que no mundo do entretenimento já aceitamos nossa condição de zumbis, passivos e não pensantes, sempre dispostos a sair do cinema com um sorriso bobo nos lábios.

Cotação: Bom.

29 de janeiro de 2010

domingo, 20 de dezembro de 2009

Atividade Paranormal


Atividade paranormal (Paranormal Activity), 2009. EUA. De Oren Peli

Ou Marmelada!

Um dos casos em que não existe filme, mas tão somente o marketing do filme.

É o faz de conta. Faz de conta que existe um filme. Faz de conta que atrás da porta tem um fantasma. Faz de conta que o filme dá medo.

Chega de câmera subjetiva e enganações baratas! Não se sabe mais fazer terror, a picaretagem é o carro chefe absoluto.

Em, A filosofia do horror, Noël Carroll mostra que o aparecimento gradual do sobrenatural é um dos enredos mais característicos do gênero, O exorcista seria o exemplo mais completo. Atividade Paranormal se baseia em uma versão simplificada dessa proposta.

Um casal desconfia que há uma entidade perambulando seus aposentos, para entender o que está acontecendo eles decidem deixar uma câmera ligada. O resultado é assustador, desde que você seja filho de um gato escaldado...

Michael, quase sempre com a câmera em suas mãos, tem uma atitude desafiadora, desconfia da existência de seu hóspede e o provoca durante vários momentos. Katie sabe que ele é real, pois desde sua infância sente-se perseguida por tal criatura.

Durante o desenvolvimento da história, entendemos que a assombração não é um espírito humano, mas um demônio. Provavelmente há uma razão para sua perseguição a Katie, talvez ela saiba o porquê, porém isso não é mostrado, apenas vemos seus prantos após ter revelado o suposto segredo ao seu companheiro.

Dentro de uma outra linha e proposta, mas com pontos em comum, Arraste-me para o inferno de Sam Raimi seria infinitamente superior, uma forma mais burlesca e muito menos cara-de-pau de representar as diatribes do maligno. Atividade paranormal não passa de uma embalagem vazia.

Embora eu não seja um psíquico, vou me arriscar em uma previsão, este tão propalado “terror da década” está destinado a um rápido esquecimento. Digamos, no momento em que escrevo a crítica, ninguém mais se lembra dele.

Assustador.

Cotação: péssimo

20 de dezembro de 2009