domingo, 4 de maio de 2025

Um homem diferente

Um Homem Diferente. A Different Man. De Aaron Schimberg. 2024.

Na literatura, o duplo é um tipo de personagem que é idêntico a nós, mantendo, no entanto, uma única diferença que nos ameaça ou nos expõe. Em Um homem diferente temos essa questão levada até a última consequência: quem somos e a partir dos olhos de quem somos?

Acompanhamos Edward, um homem com neurofibromatose que tem a possibilidade de passar por um tratamento experimental a fim de eliminar as suas deformidades faciais. No entanto, o novo rosto não ameniza ou atenua seu senso de deformidade. Ele continua se vendo como um disforme, tentando não atrair a atenção do mundo para si mesmo. Tal situação se intensifica ao conhecer Oswald, outro doente de neurofibromatose, mas com uma postura completamente diferente.

O filme trabalha com várias temáticas das narrativas urbanas, tais como o anonimato e o doppelgänger, isto é, a existência de uma cópia de si existente em algum lugar na cidade. Em um dado momento, o real e a cópia se encontram (nem sempre sabemos qual é qual) e os impactos são existenciais. Aliás, a própria tessitura da cidade coloca-se como um problema da filosofia da existência, uma vez que ela se constitui em um labirinto de situações e sensações. Gradis, elevadores, restaurantes e bares fazem parte de um cosmos em que as pessoas se deslocam, por isso a sensação constante de aprisionamento.

Do metrô ao apartamento, situações da vida social se conectam ao self individual. A identidade e a individualidade surgem como frutos das negociações entre os nossos olhares e os dos outros. No limite, a monstruosidade de Edward não é externa; as pessoas podem até tratá-lo com um certo desdém ou ou nojo inicial, mas ele também cultiva um processo de autoisolamento. Seu próprio nome remete aos personagens shakespearianos (dos Ricardos aos Edwards) e à icônica figura de Tim Burton, o Edward Mãos-de-tesoura.

No fim das contas, face e rosto são dimensões distintas. Se o primeiro é superficial, o segundo se conecta com as dobras mais profundas da consciência. E o rosto, como expressão da verdade incontida, é tanto acusatório quanto auto acusatório.

Por isso o grande desespero do personagem principal é seu apego à vitimização. Nesse sentido, a narrativa brinca com didatismo e metáforas para tematizar a solidão da experiência moderna.

Cotação: ☕☕☕☕☕

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