sábado, 25 de janeiro de 2025

Nosferatu (1979)

Nosferatu - O Vampiro da Noite. Nosferatu: Phantom der Nacht. De Werner Herzog, 1979.

Lançado em 1979, Nosferatu, O vampiro da noite, dirigido por Werner Herzog, mantém o roteiro de Nosferatu, lançado em 1922, mas em meio a uma nova fase da história do cinema.  Entre 1962 e 1982, a indústria cinematográfica alemã vivenciou o florescimento do Novo Cinema Alemão, movimento impulsionado por uma nova geração de cineastas fortemente influenciados pela Nouvelle Vague francesa (baixos orçamentos, produções independentes, roteiros menos estruturados, estética experimental, montagens ousadas, foco em temas e personagens contemporâneos). Werner Herzog reinterpretou o roteiro para algo mais fiel à obra de Bram Stoker (1897). Personagens conhecidos do público, como Mina, Jonathan Harker, Renfield e o próprio Conde Drácula, foram incorporados, ao que, ao final, preservava o título Nosferatu: o Vampiro da Noite como uma lembrança da ideia original de remake e várias outras características que aqui serão analisadas.

Jonathan Harker, um corretor de imóveis, recebe a missão de viajar para a remota e sombria Transilvânia. O objetivo era negociar a venda de uma casa em Wisborg para o misterioso Conde Drácula, cuja nova residência ficaria bem em frente à casa onde vivia com a esposa, Mina. Ao chegar ao castelo do conde, Harker percebe que há algo profundamente perturbador naquela figura. A confirmação dos temores surge ao descobrir que Drácula é, na verdade, um vampiro. Mais aterrorizante ainda é a constatação de que o conde se mostra fascinado por Mina e a ameaça da presença dele se estende a Wisborg, onde vive o casal.

Renfield, chefe de Harker, não é um perfil assustadoramente estranho como na obra de 1922, mas uma mistura tragicômica de um homem claramente desnorteado.  Já o Conde Drácula continua esguio, possui nariz e orelhas pontiagudas, olhos fundos marcados por olheiras intensas e dedos anormalmente longos, terminados em garras. A diferença é que no filme de Herzog ele está mais para excêntrico do que para propriamente monstruoso. Apresenta ainda uma densidade psicológica maior que a primeira versão.

O farto jogo de luz e sombra, que contribui para a sensação de ameaça constante, muito presente no filme de 1922, está ´em menor proporção e aparece de forma descontínua no longa de 1979. O castelo do conde nessa versão parece até mais claro e menos ameaçador do que na versão anterior. Nosferatu continua, contudo, com dentes associados à sucção do sangue das vítimas na parte frontal da arcada e não na posição dos caninos, como se tornou comum posteriormente na imagem do vampiro.  Na película de Herzog, Nosferatu não tem cenas circulando de dia, diferindo da obra anterior, quando o personagem circula em alguns momentos sem temor da luz solar.

O roteiro de Herzog traz a imagem do morcego em associação à presença de Nosferatu, mas também mantém os ratos, sem explicar a conexão desses últimos com a vitalidade do vampiro como na obra de 1922. No que confere à peste trazida por Nosferatu, a obra de 1970 vai além das relações entre Mina, Harker e Drácula. Aborda os impactos da peste na população da cidade, incluindo a morte de pessoas próximas à protagonista. Chega a abarcar até um confronto de Mina no ambiente público, buscando um alerta sem sucesso em relação à conexão entre conde Drácula e a epidemia. Nesse momento, Herzog amplifica um aspecto que ficou em segundo plano na versão anterior: o embate entre ciência e superstição, ainda que de forma rápida e superficial.

Em nítido contraste com o antagonista, Harker encarna o arquétipo do herói clássico. Na película de 1979, o herói é menos ingênuo e mais desconfiado do que o de 1922. Mantém a incredulidade do antecessor, mas também é mais frágil diante de tudo o que ocorre. Embora interrompa a hospitalização de igual modo visando ao salvamento de Mina, ao retornar demonstra profunda instabilidade psíquica e ao fim do filme rende-se à condição de vampiro, algo que não ocorre em nenhuma das releituras, mesmo com os ataques noturnos de Nosferatu durante a hospedagem no castelo do conde.

A versão de 1922, assim como as demais, traz a presença dos povos ciganos no caminho para o castelo do conde Drácula, que atuam como uma fonte de alertas sobre as agruras que estão por vir. Harker, porém, ignora os avisos e também um livro sobre vampiros a ele dado, subestimando o perigo iminente. Trata-se de um reflexo da confiança no mundo racional, mas que no filme de Herzog destaca com maior ênfase o embate entre a ciência e o ocultismo.

Mina, amor comum de Harker e Drácula, apresenta claras perturbações que eram consideradas desafiadoras para os conhecimentos psiquiátricos do período, mas nessa versão explorada de forma melancólica pela intérprete. Em comum com a mocinha de 1922, a de 1979 tem olhos grandes e olheiras profundas, mas de forma bem menos expressiva.  Também aparece rodeada de um gato, rememorando a crença que remonta ao Antigo Egito de que tais felinos permanecem onde estão presentes os maus espíritos. De outro lado, alterna entre fragilidade e enfrentamento, sobretudo nos momentos finais do filme, quando passa a se comportar de forma mais assertiva se comparada à película anterior. Oferece, uma vez mais, a vida a Drácula visando à salvação de Harker e de toda a cidade atingida pela peste. A diferença é que entra em cena Abraham van Helsing, que ao constatar a problemática do sobrenatural naquele contexto, empenha-se em matar o vampiro usando estaca de madeira.

O fascínio pela figura do vampiro nas décadas de 1960 e 1970 pode ser compreendido como resultado de uma combinação de fatores culturais, históricos e sociais que dialogavam com os significados então associados a esses seres míticos. Naquele período, mudanças sociais intensas estavam em voga — como as lutas pelos direitos civis, o avanço do feminismo e as revoluções sexuais —, colocando em xeque normas tradicionais e abrindo espaço para questionamentos de campos como a sexualidade. O vampiro, de natureza ambígua e transgressora, emergia como um reflexo dessas transformações. A revolução sexual, em pleno apogeu, potencializou o forte apelo erótico dos vampiros, que passaram a desafiar tabus e a personificar o desejo de maneira mais crua e subversiva, elevando-o a um ícone de rebeldia naquele cenário.


Por fim, o interesse pelo vampiro também foi alimentado pelo fascínio crescente por mitos e arquétipos universais, que nesse caso encarnava os medos e desejos mais profundos da condição humana, simbolizando conflitos duais, tal como o contexto da Guerra Fria, como por exemplo: vida e morte, luz e escuridão, desejo e controle. Tal contexto, também permeado pelo medo da destruição nuclear, tornou o vampiro um símbolo carregado de angústia existencial. A imortalidade solitária emanada por ele ecoava as inquietações humanas sobre a efemeridade da vida. Toda essa flexibilidade simbólica convertia-o em uma válvula de escape para as inquietações sociais e um meio de explorar questões existenciais complexas, garantindo-lhe um papel central no imaginário cultural das décadas de 1960 e 1970.

Camila Similhana



Nenhum comentário: