terça-feira, 6 de julho de 2010

Sérpico


Sérpico, 1973. EUA. De Sidney Lumet

Sérpico traz as marcas da filmografia da década de 1970. Discurso extremamente crítico, diálogos bem estruturados (na verdade, determinantes para o desenvolvimento das cenas) e a vocação para produzir uma boa dramaturgia.

Dentro de um cenário urbano, vemos os ângulos “subterrâneos” de uma cidade, a corrupção da administração pública, endêmica nas forças policiais. O agente Sérpico, desde o início de sua carreira profissional, sente-se incomodado com os vícios dos seus companheiros e o consentimento velado dos seus superiores. Malquisto em todas as divisões em que trabalhou, acabou isolado e odiado pelos colegas.

Por não aceitar o suborno como os demais policiais, ele é o não confiável. Inverte-se as noções de certo e errado, se todos enlouquecerem e apenas um permanecer são, este é quem será tido como o aluado. Referência à caverna de Platão e que denuncia a condição moderna, na qual o homem que detém a verdade termina segregado. A ética perdeu a potencialidade de fornecer modelos de conduta adequados.

A fotografia expressa a sensação de anonimato e solidão, a cidade se agiganta perante o indivíduo e, nas sombras dos prédios, vive a criminalidade, graças também ao beneplácito dos homens da lei. Sérpico opta pela integridade e vê seu mundo se tornar um constante enfrentamento.

Idealista, mas não no sentido quixotesco, sua postura e suas ações não são eficazes para debelar os interesses políticos e econômicos dos mais variados degraus do poder. A amargura do protagonista registra os limites da ação individual perante o estrutural. A convicção quanto à existência do bem comum fraqueja perante a racionalidade e frialdade do mundo moderno.

A cena final expressa com sutileza uma constatação construída ao longo da projeção: ao inconformista só resta a tentativa de escape.

Cotação: ótimo

07 de julho de 2010

domingo, 27 de junho de 2010

Esquadrão Classe A


Esquadrão Classe A (The A-Team), 2010. EUA. De Joe Carnahan

Ideologicamente asqueroso e com fortes tendências para o narcisismo.

Esquadrão Classe A faz a invenção de um mundo no qual a tônica das relações humanas, em seus mais diversos matizes, nos é dada pelo militarismo americano. Somos brindados com o capítulo introdutório, em que soldados ianques participam de uma missão secreta no México, atuando como policiais.

Analogia auto-explicativa, ao sul do Rio Grande, prevalece a criminalidade, o exército mexicano, corrupto e ineficaz, merece ser confrontado por soldados de elite, tão brilhantes quanto heterodoxos.

Quando os papéis já estão distribuídos e o público acostumado à dinâmica dos próximos 110 minutos, vemos os personagens no Iraque, participando das forças de ocupação. Após a execução de uma missão muito arriscada, Esquadrão Classe A é acusado de um crime que jamais cometeu e daí os honrosos milicianos partem para provar suas inocências.

O roteiro elege os atributos do imaginário militar, a purpurina verde-oliva, como as verdadeiras qualidades do guerreiro moderno, a começar pelo total descaso com a vida humana... Há momentos preciosos, de anteposição entre as Forças Armadas e os exércitos. O discurso prevalecente assevera a hombridade dos militares em relação aos civis e aos serviços de inteligência.

Subjaz por trás desse discurso (talvez panfletário) certa crença otimista de que os problemas políticos teriam melhor solução quando resolvidos militarmente. Temos que pensar no público alvo do filme, o americano padrão, que tem uma bandeira dos Estados Unidos afixado a sua porta.

E única e exclusivamente por isso, vale a pena nos determos em Esquadrão Classe A, já que do ponto de vista da narrativa fílmica há um desmoronamento de todas as premissas iniciais. Os verdadeiros inimigos confrontados não são nem os mexicanos (pobres e feios) e nem os árabes (ricos e terroristas anti-libertários), mas sim funcionários do aparelho de Estado Americano, do exército inclusive.

Exercício de psicanálise amadorística: o “inconsciente” do filme está reconhecendo que os americanos são os construtores dos problemas que alegam resolver. O plot “traidor” é altamente eficaz: joga-se todo o crime das instituições em um bode expiatório.

Cinematograficamente medíocre, ideologicamente asqueroso, mas um excelente registro da visão narcisista norte-americana. Um filme em que Ghandi é citado como para legitimar a violência física merece tão somente a indiferença e o esquecimento. Porque é um filme bobo, feito por gente boba e para gente boba. E só.

Cotação: péssimo

27 de junho de 2010

sexta-feira, 25 de junho de 2010

O Fantástico Sr. Raposo


O Fantástico Sr. Raposo (The Fantastic Mr. Fox), 2009. EUA. De Wes Anderson

O que é a civilização? O que é deixar-se de ser selvagem?

Tais questões atravessam o atraente filme de Wes Anderson, diretor que tem uma predileção muito conhecido pelos exóticos e excêntricos.

Uma animação feita para adultos, onde Sr. Raposo, o protagonista, vive preso em um terno, trabalhando em um emprego medíocre para sustentar sua família suburbana. Residindo nos limites do bosque, a visão de sua janela dá de frente para as propriedades dos três maiores fazendeiros da região: um criador de galinhas, outro de gansos e um irascível e astucioso produtor de cidra.

Aquela paisagem desperta nesse excêntrico vaidoso um sentimento bem familiar às raposas, evocativo dos seus tempos de ladrão de galinhas. Não resistindo à tentação, ele elabora um plano para assaltar os três fazendeiros, ridicularizando-os e confirmando sua notória esperteza.

Não obstante os ternos e os maneirismos humanos, bem como a precária civilização constituída no bosque (com escolas, escritórios de advocacia e lojas de 1,99) os animais ainda são feras e ressentem a situação em que vivem, distante dos seus instintos primários.

Sr. Raposo é sem dúvida o mais corajoso, ou melhor dizendo, aquele que aceita a sua verdadeira essência. Há mais de uma ocasião em que ele pronúncia:

“No final das contas sou só um animal selvagem”.

Seu desejo, portanto, situa-se ao nível da identificação com suas origens, um encontro com sua ancestralidade. E nesse sentido o filme se estrutura quase que como um apelo anti-civilizacional. Apesar dos pedidos da Sra. Raposa, ele negligencia o bom senso, motivado pelo anseio em ser livre e cumprir sua razão de ser.

No entanto, não há como se enganar, esse ladrão de galinhas, que entra furtivamente no galinheiro é o verdadeiro herói. Em momento algum se propõe a destruir a espécie das galinhas, busca somente satisfazer suas vontades predando uns poucos espécimes. Bem diferente dos fazendeiros, que decidem destruir todo o bosque na tentativa de uma desforra pela ação ousada do Raposo.

A civilização, no fim das contas, mostra-se mais bárbara que a própria selvageria. Quando os tratores avançam contra a floresta, as escavadeiras levantadas assemelham-se a mandíbulas, com dentes enfileirados e ameaçadores. Muito mais que os caninos do Raposo, que também insistem em aparecer, mesmo nos mais inocentes sorrisos.

O filme conta com uma galeria de animais não tão interessantes, o destaque fique para Raposo, seu próprio filho enfada com o estereótipo do adolescente ressentido em busca do reconhecimento paterno. A vaidade das raposas permanece como temática essencial, metaforizando a beleza e os estratagemas da natureza, em contraponto com a frialdade da civilização.

Nos atos finais, subtende-se que os animais estão fadados a morrer – cercados pelos fazendeiros e entocados no esgoto. Mesmo com consciência de tal inevitabilidade não se abatem, deleitando-se com as pequenas vitórias, fazem um banquete às custas da civilização.

No fim das contas, reconhecem que a existência nada mais é que uma sobrevivência.

Cotação: Bom

25 de junho de 2010

domingo, 11 de abril de 2010

Uma noite fora de série



Uma noite fora de série (Date Night), 2010. De Shawn Levy.

A discussão já amarelada se a comédia é universal pode ser inutilmente retomada nesse filme protagonizado por Steve Carrel e Tina Fey. História que talvez seja divertida para casais bolorentos com mais de quarenta anos e que ainda querem ter esperanças de que estão vivos. Além disso, a piada principal (básica e recorrente) são as discrepâncias entre a mesmice dos subúrbios de New Jersey e o caos da Town nova-iorquina.

Caso essa chave inicial não seja apreendida, Date Night será tão somente um desfilar de situações inusitadas, bobas e bem comportadas. O mecanismo que move a história é o mal entendido, casal suburbano confundido com casal de ladrões, esse non sense tenta sustentar as pontas de uma narrativa sem ritmo e descompassada, mas com uma falha fundamental, esquecer-se de dar lugar a verdadeira protagonista: a vida noturna de Nova York.

Em 1987, Crhis Columbus dirigia Adventures in babysitting, comédia adolescente na qual uma babá de 17 anos perambulava pelas ruas da cidade tentando escapar de criminosos enquanto procurava pela amiga presa na rodoviária. Filme que conseguiu mostrar os fascínios e perigos da vida “subterrânea” de uma metrópole.


[Adventures in babysitting e Date Night, a noite de N.Y certamente não foi feita para os habitantes dos enjardinados bairros de New Jersey]

A constatação de que as grandes cidades se transformam na noite profunda é tema das tradições literárias e cinematográficas. Basta lembrar os cronistas urbanos do século XIX (com suas “fisiognomias”) e o provocativo filme de Martin Scorcese, Depois de horas (1985).

Bem, a história protagonizada por Steve Carell não consegue nem ter a ingenuidade de Columbus e nem o humor negro de Scorcese. Tem um público alvo bem específico, que a rigor nem brasileiro é; a classe média suburbana americana indiscutivelmente entedia qualquer um e suas desventuras podem nos soar bem indiferentes. Oscilando entre o quase besteirol e a terapia de casais, Date Night consegue ser aquilo que o casal do filme parece evitar a todo custo.

Insosso.

Cotação: Fraco.

11 de abril de 2010

O retorno dos malditos



O retorno dos malditos (The hills have eyes 2), 2007. De Martin Weisz.

Antes de ser fascista ou racista, trata-se de algo simplesmente americano, talvez eticamente incorreto, mas também mera expressão de mau gosto. Os americanos têm um apreço pelo freak, pelo estranho e anormal. Os circos de aberrações são tão americanos quanto a torta de maçã.

Há uma tradição literária e cinematográfica de qualidade “B” que mantém como tema principal a existência de monstros no coração da América. Lendas que partem de um fundo histórico real, pois no processo de colonização dos Estados Unidos, sobretudo com a expansão para o Oeste, muitas famílias ficaram isoladas nas novas terras ocupadas, sendo comuns os relatos de relações incestuosas e enlouquecimentos.

Visão construída pelo leste urbano e cosmopolita sobre o oeste provinciano. Muito antes de representar o preconceito contra os negros ou os mexicanos, prevalecia o senso de desvalorização do pobre branco, o caipira.

Em relação ao cinema podemos citar filmes como O massacre da serra elétrica (original e remake), O homem de Palha (original e remake), Viagem Maldita (original e remake), além do Padrasto, Pânico na Floresta, Rejeitados pelo Diabo e muitos outros. A mensagem em todos esses filmes é a mesma, fora das cidades, das rodovias principais, existem pequenos povoados, regidos por outra racionalidade que não a judaico-cristã.

Os mutantes canibais devoradores de pessoas incautas constituem personagens recorrentemente visitados, temática muito coerente com as tendências eugenistas que permearam a história intelectual dos Estados Unidos. Acontece uma equivalência entre a deformidade física e a mental, com clara sugestão de que aqueles que não possuem a simetria bilateral, a pele clara, os olhos azuis, os cabelos loiros e lisos estão singularmente predispostos à brutalidade. Em suma, o monstro é o não branco.

Portanto, O retorno dos malditos, continuação do remake de um clássico faz parte dessa tradição, você pode até não gostar, mas deve entender sua proposta e situá-la no cinema de terror/horror americano. Pesa contra este filme, especificamente, um tom proto-fascista indisfarçável, uma imbecilidade profunda no roteiro e a total incapacidade de criar empatia com o público.

O mais estúpido pelotão em treinamento de todo o exército americano (sendo mais preciso, da Guarda Nacional) vai parar nas colinas onde existe uma família canibal. Com coletes, capacetes, fuzis, e outras bugigangas militares, esses soldados conseguem levar uma inexplicável surra dos mutantes assassinos do mau das trevas.

Inexplicável em termos, pois quando conhecemos os integrantes tudo fica claro... O pseudo protagonista é um soldado magricela que é pacifista, há um baixinho latino esquentadinho, um negro bom de briga meio sinistro, uma loira gostosa que não sei o que está fazendo nas Forças Armadas e uma latina idiota que no meio do território inimigo vai sozinha atrás da pedra fazer um xixizinho toda despreocupada.

Ah me poupa, se eu chamar os moleques da minha rua organizo um pelotão melhor.

O único que tinha um pouco de habilidade era o sargento, mas que, na primeira oportunidade, foi fuzilado acidentalmente por um dos seus próprios soldados – maneira preguiçosa e chinfrim que o roteirista achou de deixar a situação mais cabeluda para os pobres recrutas. No mais o filme é a representação da deformidade como mal, o elogio do branco americano e a demonstração da incrível incapacidade dos militares americanos.

Território inimigo, desconhecido, cheio de crateras, montanhas, relevo acidentado. Os soldados decidem se dividir em pequenos grupos (de certo para facilitar a ação dos seus captores), param, conversam, colocam as armas ao lado, discutem uns com os outros, enfiam as cabeças nos buracos. Seria mais previdente brincarem de roleta russa.

Um soldado branco, uma soldada loira, um subsoldado latino, um subsoldado negro. Acontece um incidente e se forma uma dupla e um casal... quem fica com quem?

Quem morre: o casal ou a dupla? Quem sofre na mão dos algozes, a linda moça loira ou a moça latina? Viram, é disso que estou falando...

Dá preguiça.

Cotação: Péssimo.