domingo, 22 de setembro de 2024

1BR - O apartamento

1BR – O apartamento (1BR), 2019. De David Marmor

Um filme simples, redondinho, um suspense de baixo orçamento relativamente livre dos clichês mais grosseiros. Trabalhando a noção de camadas em uma grande cidade, a narrativa segue os encalços de Sarah em sua nova vida na cidade de Los Angeles. Ao locar um apartamento, Sarah passa a fazer parte de uma comunidade interessada em fomentar os laços pessoais. No entanto, a comunidade funciona como um tipo de seita cujo intuito é ter um controle cada vez maior sobre seus integrantes.

A proposta de uma subcultura (uma comunidade) contraposta à indiferença da sociedade urbana consiste em um ponto interessante, pois o esforço em criar um senso de vicinalidade é, em si, assustador. Além disso, as relações entre os moradores parecem sugerir como o atual individualismo almeja e repele a socialização do tipo interiorano.

Mesmo parecendo interessada em se integrar ao grupo, é a ameaça de violência que convence Sarah a permanecer nos limites da comunidade. A história carece, no entanto, de maior contexto para a construção do universo fílimico, por exemplo: como eles se sustentavam? Quais os mecanismos efetivos para evitar a deserção e como passavam o tempo nos limites daquele conjunto condominial? Meio tedioso não?

O filme lembra Vivariun de Lorcan Finnegan, também de 2019: a oferta de locação de imóvel como uma armadilha e a existência de um microcosmos sufocante e aterrorizador são pontos comuns. Mas 1BR é bem menos radical aproximando-se mais de um Wild Wild Country (2018), ou seja, insatisfeitos com a vida moderna buscando alternativas ainda piores.

O desfecho em aberto, mas sem picaretagem, reforça as dificuldades de escapar das redes tecidas pelos terraplanistas de plantão. De fato, permanece atual a questão da impotência da racionalidade diante dos fluxos de surto coletivo. A autopreservação torna-se ineficaz perante a manipulação das redes, o olhar panóptico e o desejo de pertencimento.

Assim, ao fim e ao cabo a seita atesta vocações autoritárias latentes, mas emasculadas, sem músculos adequados para a realização totalitária. Seus mecanismos são suficientes para transformar ovelhas desgarradas em cobaias de um viveiro chinfrim. Eis um filme de baixo orçamento que, involuntariamente, consegue um certo nível de precisão sociológica.

Cotação: ☕☕

domingo, 15 de setembro de 2024

Teenage Mutant Ninja Turtles/Tartarugas Ninjas

📺 História da animação
Tartarugas Ninjas: Caos Mutante (Teenage Mutant Ninja Turtles: Mutant Mayhem), 2023. De Jeff Rowe

Animação engraçadinha dando uma roupagem nova e orgânica ao desenho animado que fez sucesso em começos dos anos 90 – por sua vez uma adaptação em tons mais infantilizados dos quadrinhos.

Tartarugas, rato, insetos, rinoceronte e javali contaminados por um composto radioativo tornam-se humanoides. Historieta que já assistimos várias vezes nos diversos reboots e versões da franquia. Mas Caos Mutante merece o destaque pela animação estilizada em cores fortes e vibrantes, inspirando-se em um estilo urbano. As paletas do grafite reconstroem uma Nova York vívida e frenética, cidade agitada e até repulsvia em alguns aspectos, mas de bem consigo mesma.

As adolescentes tartaruguinhas estão lá, como sempre, buscando pedaços de pizzas, autocompreensão e diversão descompromissada. Dessa vez wi-fi conected onde o mundo pode ser conhecido sem sair do lugar. No entanto, mais do que nunca elas são representadas como frágeis e inseguras; smartphone em demasia dá nisso, certo? A tecnologia gera solidão e as tartarugas estão mais sós do que nunca. Não são os heróis cartunescos e sim jovens mutantes complexados com a intolerância do humanos - uma interessante alegoria da pertinência das minorias nos discursos contemporâneos.

Com uma habilidade acima da média para metaforizar os problemas e os interesses da atual juventude, Caos Mutante nos entrega uns quelônios preocupados com a representatividade da causa em um subtexto repleto de referências à cultura Lgbtxyz. Os heróis em formação também precisam dividir espaço de tela com a jornalista April, caracterizada nessa versão como uma patinha feia. Sim, agora as protagonistas precisam ser inseguras e esteticamente destituídas de qualquer traço do belo. Por isso, April virou uma adolescente gordinha tribufu que vomita diante das telas, mas com muita atitude para salvar o dia mutante.

Compensa essa cantilena uma animação boa o suficiente para representar a vida urbana como o palco dos grandes acontecimentos. Os atos de heroísmo aos quais as tartarugas performam no arco final vão ao encontro da mítica da cidade de Nova York na história do cinema. Além disso, a relação desenvolvida entre as tartarugas e os novaiorquinos lembra a franquia do Homem-Aranha produzida por Sam Raimi: cidade e heróis acabam tendo que dar as mãos!

Bastante inofensivo para o filme merecer maiores considerações, temos uma narrativa voltada ao público infanto-juvenil entregando muita estética e pouca história. Mas tudo na medida certa, não compensa o bilhete do cinema, mas enfim, estamos em tempos de ver streaming na tela do celular.

E ainda nos perguntamos porque as tartaruguinhas estão deprimidas...

Cotação: ☕☕

sexta-feira, 6 de setembro de 2024

Girl Walks Home Alone at Night/Garota sombria


Garota sombria que anda a noite (A Girl Walks Home Alone at Night), 2014. De Ana Lily Amirpour

Bad City é uma cidade de cenários pós-industriais vazios, praticamente mortos-vivos. Os galpões, as máquinas e as luzes tremeluzentes destacam a solidão e a perda dos laços sociais. Os poucos transeuntes são seres solitários: velhos, prostitutas e cafetões. Embora haja indústrias por todos os lugares não se vê trabalhadores, as máquinas são os seres híbridos em movimento, assim como os vampiros.

Uma moça vampira percorre as ruas atacando homens e protegendo mulheres. Ela atua como compensação à hipocrisia da sociedade iraniana. Seu caminho se cruza com o de Arash, um jovem traficante também defrontado pela aridez de Bad City. Ambos estabelecem uma ligação fortalecida pelos pontos em comuns: vampira e traficante sentem-se pessoas ruins, piores do que gostariam de ser.

O filme enfatiza a influência da cultura norte-americana como uma arma contra à opressão, desse modo a garota vampira escuta rock e dança ao som do rockabilly em seu quarto. Fragiliza o filme justamente a intenção pedagógica de construir sujeitos contestadores por meio do olhar ocidental. A alegoria tangencia em alguns momentos a picaretagem, pois todos os componentes da tessitura fílmica precisam falar algo. O hamburguer, o skate e as festas vão organizando as coisas de modo a compor um discurso politicamente alinhado à condenação do Irã.

Assim, alguns bairros de Bad City lembram regiões ricas de Teerã conhecidas por seus jovens mimados apreciadores de rock e hamburguers. Ironicamente a locação desse cenário destituído de vida ocorreu nos Estados Unidos. Em 2016, o filme The Transfiguration de Michael O’Shea retomaria algumas das temáticas de Garota Sombria ao trazer a figura do vampiro proletário. A relação entre vampirismo, marginalidade e misantropia faz-se presente nos dois contextos fílmicos.

A fotografia em preto e branco, as panorâmicas e a estilização constroem um clima noir com doses bem distribuídas de tristeza e desesperança - há também tentativa de diálogo com o western, embora um tanto quanto deslocada. O desfecho do filme tem sabor agridoce e remete, talvez até involuntariamente, ao famoso final de Bonequinha de Luxo com um gato interpondo-se entre o casal. O resultante é a necessidade de autoaceitação e recomeço.

Garota sombria que anda a noite é um filme hábil em decodificar as contradições da sociedade iraniana, mas peca pelo excesso de pastiche; o filme poderia ter sido em inglês e não persa por exemplo. O viés feminista ocidental soa arrogante, em compensação dá o ritmo à narrativa inserindo uma discussão sobre o multiculturalismo, entendido como vampirismo, na sociedade contemporânea.

Cotação: ☕☕☕☕