quinta-feira, 5 de fevereiro de 2009

Foi apenas um sonho


Foi apenas um sonho (Revolutionary Road), 2008. EUA/Inglaterra. De Sam Mendes

O desejo existe. Mas nem sempre podemos consumá-lo. Isso era verdade nos anos cinqüenta e ainda continua sendo.

Casais infelizes existem, seja no auge do American Way of Life, na Rússia Bolchevique ou na “eterna” Paris.

A grande confusão de Foi apenas um sonho é justamente determinar as causas da desarmonia de Frank Wheeler (Leonardo DiCaprio) e April Wheeler (Kate Winslet); ele, um funcionário medíocre em uma empresa medíocre, ela uma Infeliz (sim, com i maiúsculo) dona de casa. Nesse sentido o filme se mostra menos como uma crítica à sociedade de consumo (um perfeito tema para ser destrinchado em uma mesa de bar) do que como um trabalho intimista que, em alguns momentos, atinge ápices similares a Quem tem medo de Virgínia Woolf? ou um daqueles dramas familiares bergmamnianos.

Mas a verdade é que o resultado funciona e agrada, de forma muito conveniente e eficiente. Isto justamente porque o casal insiste em determinar a própria infelicidade conjugal como resultado direto da asfixiante vida de um subúrbio americano da década de cinqüenta. Eles se mostram incapazes de perceber que nem mesmo Paris salvaria seus relacionamentos – seus planos de mudança para França não deixam de ser um mero escapismo. Em vários momentos o cenário exuberante do condomínio Revolutionary Road se projeta sobre a janela da casa dos Wheeler, mas por trás da vidraça vemos o olhar angustiado de Kate Winslet. Uma expressão similar se expressa no semblante atormentado de DiCaprio, também acometido pelo “peso do vazio”, retornar para a casa e fitar seu palacete, parado em seu verdejante gramado, lhe trás uma sensação indizível de desconforto.

Os personagens revelam uma incapacidade de desejar, não conseguem amar nem a si próprios, que dirá a terceiros, mesmos os “atos de infidelidades” são entremeados mais pelos sentimentos de culpa do que os de prazer. Eles falham até nos momentos de transgressão, pois são péssimos atores, despreparados para interpretarem os papéis que lhes foram destinados – não conseguem ser o casal moderno, mas tampouco o casal tradicional. Não resta nem o consolo da revelação de um sentimento sublime depois de terminada a farsa e retirada as máscaras de atuação, pois o ódio parece acompanhá-los por todos os momentos. Prevalece o sentimento auto-destrutivo em lugar da percepção crítica ou mesmo autocrítica.

Nesse sentido, o “louco” (um matemático excêntrico) é o único que se impacienta com a comediazinha suburbana apresentada. Ele deseja gritar: “vocês são infelizes porque se odeiam, não culpem essa merda de lugar”. No entanto prefere dizer que ele se sentia feliz por não ter o triste desígnio de ser a criança crescendo no ventre de Winslet, gerada em um ambiente de tamanha hostilidade e insanidade. Bem feito. A figura do louco está aí na cultura ocidental por alguma razão, isto é, escancarar o que os “normais” temem revelar.

Difícil compreender o que realmente queria esse “casalzinho moderno”. Não há necessariamente problema nenhum em cometer adultério, em gostar de ter um trabalho maçante, em interromper uma gravidez ou então até em se entediar com os trabalhos domésticos. Só não ponham culpa no sistema, é fácil demais. Os espíritos livres se expressam em qualquer lugar, pelos meios mais criativos possíveis (incluído aí, o sexo com o vizinho ou o teatro amador).

O que não pode ser é justificar as falhas individuais nos problemas coletivos. O filme parece ir nesse sentido, mas é só impressão, ele diz justamente o oposto. Brilhante.

As convenções sociais nos impõem normas, cabe a nós encontrar os meios de flexibilizá-las, coincidindo a felicidade individual com a coletiva. Isso era verdade Antigüidade Clássica e ainda continua sendo.

Cotação: Bom

Velozes e Mortais


Velozes e Mortais (Highwaymen), 2003. EUA. De Robert Harmom

Antes de criticar o filme tenho que criticar a mim mesmo. Estava na locadora e o rapaz me sugeriu "Velozes e mortais". Eu perguntei se era bom e ele na maior cara lavada disse que sim. Eu sabia que ele estava me enganando, mas porque sempre me deixo ser enganado? O filme é uma história idiota (psicopata que usa um carro para matar pessoas) cheio de clichês e furos no roteiro.

Vou citar só alguns exemplos, pois não quero perder mais tempo com essa lástima...

1) Filme de carros envenenados (que conceito interessante!)

2) O relacionamento entre os protagonistas é totalmente forçado. Há um momento em que o personagem principal se vira para deixar que a "mocinha" se troque (que clichê)!

3) O filme é uma história de vingança que, como já foi assinalado por diversos críticos, marca o cinema americano pós 11 de setembro.

4) Só para constar, o personagem principal força a moça a acompanhá-lo, o que é rapto. Mas ela aceita ser subjugada e troca olhares sugestivos com seu protetor... Que lixo!

Sem cotação

Pós-escrito: essa foi uma das primeiras críticas da antiga versão desse blog. Muita ingenuidade esperar algo de bom desse filme. O marketing se baseava no ator James Caviezel, que havia interpretado A Paixão de Cristo. Também se aproveitava do recente lançamento de Velozes e Furiosos. De um lado, Jesus, do outro, carrões envenenados. Bons tempos.

Aproveito a ocasião para revelar (por que agora além de filmes aqui vai ter depoimentos pessoais sobre as fraquezas masculinas...) que finalmente virei homem e vou tirar carteira de motorista. Espero utilizar minhas novas habilidades para arrebatar moçoilas tão prendadas... ou não... ou não...

domingo, 25 de janeiro de 2009

O Curioso Caso de Benjamin Button


O curioso caso de Benjamin Button (The Curious Case of Benjamin Button), 2008. EUA. De David Fincher

Hum... é uma picaretagem erudita, se você tiver imaginação e gostar dos dramas Hollywoodianos certamente sairá satisfeito com esse trabalho – muito bem produzido – de David Fincher. No entanto, Jack (1996) de Copolla, com muito menos recursos já nos havia contado uma história similar, mesmo que abusando do ingrediente “água e açúcar”. Tratava-se da história de um garoto que envelhecia mais rápido que o normal, e embora sua mente fosse de uma criança, o corpo era de um adulto.

Em O curioso caso de Benjamin Button temos o inverso, a história de uma criança que nasce velha e, no decorrer dos anos, vai rejuvenescendo, seu relógio biológico encontra-se invertido, empurrando-a da senilidade para a fase lactante. Porém sua mente segue o “ritmo natural”, isto é, sua idade mental sempre está em contradição com a idade física.

De fato, um caso curioso: o motor do filme, se é que assim se pode se expressar, e que dará o fio da meada para acompanharmos a trajetória de Benjamim Button (Brad Pitt) e a sua delicada relação com Daisy (Cate Blanchet). A história é contada do ponto de vista do protagonista, mas a narradora é a neta de Daisy que lê o diário de Benjamim para sua avó moribunda. Hollywood tem uma predisposição toda especial para colocar velhinhas no leito de um hospital (principalmente se forem sulistas), vide o “feminista” Telma & Louise e o constrangedor Ao entardecer (2007, de Lajos Koltai).

O curioso caso de Benjamin Button é consistente, tecnicamente primoroso, vide as ambientações e as próprias maquiagens. No entanto o desenvolvimento do roteiro não consegue escapar dos rocambolismos do gênero. Sofrendo da síndrome de “Forrest Gump”, o protagonista vivencia importantes lugares e eventos, tendo inclusive a chance de participar de um combate contra um submarino nazista, ocasião em que um reles barco rebocador de terceira categoria consegue derrotar (com alguns sacrifícios é claro) uma dessas poderosas máquinas de guerra dos malignos alemães.

Gump, digo Button, desde seu nascimento, quando é quase atirado em um rio, logo em seguida adotado por uma simpática funcionária de um asilo, tem como principal desafio conjugar sua idade física com a mental, na tentativa de alcançar um equilíbrio. Digamos, mentalidade de 17 anos e físico de 67 não é uma situação muito confortável, mas a decrepitude física não o impede de se relacionar com o mundo através da percepção própria de um jovem.

Pode se dizer que o filme seja a crônica de uma morte anunciada, com todos os elementos típicos desses melodramas refinados. As tragédias, os desencontros amorosos, os perecimentos e nascimentos, o “aprendizado de vida” e toda essa parafernália de lugares-comuns chics. Há no meu entender algumas falhas no roteiro, mas que não merecem ser citadas, para não dar ensejo ao previsível (mas não justificável) argumento de que se trata de uma fábula, no entanto, garanto que não vi unicórnios, salvo um ou dois beija-flores. A possível explicação para a singularidade de Button é desconexa e não liga nada com nada – antes tivesse sido descartada.

Curioso é que Button (ou Brad Pitt, sei lá) passa por um processo de “marlombrandomização”, com o decorrer das décadas (trazendo seu inevitável rejuvenescimento) suas aparências e trejeitos parecem sofrer a influência dos anos sessenta. Já nos atos finais temos um indômito motoqueiro (ei James Dean, adorei sua boina!), com algumas angústias existenciais possivelmente pertencentes a um rapaz de 24 anos ou a um respeitável senhor de 65 anos. Tanto faz, os homens nunca crescem mesmo...

Vítima de uma maldição ou talvez gratificado com uma benção, Benjamin tem dúvidas se cabe a ele a possibilidade de uma “vida normal”. Receia que, às vésperas de seu término, sua especificidade possa conduzi-lo a um final de reclusão e solidão. Mas apesar de toda a sabedoria adquirida, ele parece não entender que todo padecimento é solitário, que toda decrepitude é sôfrega. Em sua sinistra e radical democracia, a morte faz pouco caso se sua pele tem à aspereza octogenária ou o frescor do recém-nascido.

Bem produzido, mas pouco consistente. Criativo e até bem desenvolvido, mas falta uma seriedade a esse trabalho, para fazer jus à sua condição de cinema hollywoodiano classe “A”.

Cotação: regular

P.s: Acho que Ao entardecer não se passa no sul dos Estados Unidos, mas fica o dito pelo não dito.