quinta-feira, 15 de janeiro de 2009

Marley e Eu

Marley & Eu (Marley & Me), 2008. EUA. De David Frankel

Li em algum lugar que arqueólogos já encontraram em ruínas romanas placas com inscrições em latim dizendo “Cuidado com o cão”, há muito tempo que esses animais vêm sendo usados como guardiões dos lares humanos. No ocidente, devotamos afeições aos cachorros já faz algum tempo; sem entender dess assunto apenas lembro que Machado de Assis, Jack London e Conan Doyle, entre tantos outros, têm contos nos quais esses animais são personagens.

No decorrer do século XX, sobretudo a partir de sua segundo metade, a antropomorfização desses “animais de estimação” foi crescente. Para muitos, os cachorros são membros da própria família e simbolizam, entre outros atributos, a fidelidade, a lealdade e o sentimento gregário que ronda a própria sociedade humana.

Portanto, um filme que aborde esses adoráveis animaizinhos tem tudo para cair no gosto do grande público. O adorável e branco e labrador Marley então, tem os quesitos básicos para se tornar a estrela do filme, também protagonizado por atores razoavelmente conhecidos como Owen Wilson e Jennifer Aniston. Estava parcialmente ciente de tudo isso quando entrei no cinema, talvez por isso não fraquejei perante as previsíveis manobras de David Frankel para nos fazer fã de Marley, the dog.

O rapaz sentado ao meu lado tinha cabelo raspado, por quê? Sabe-se lá. Talvez tenha passado no vestibular da PUC, talvez estivesse com piolho. Mas prefiro imaginar que se tratasse de um skinhead, que passou a tarde a espancar cidadãos de bem. Mas ao final do dia sentou na sala de projeção e foi tocado por essa magia canina, a ponto de chorar copiosamente. Bem, copiosamente é um exagero, mas que ele deu umas fungadas, lá isso ele deu. E nem me dou ao trabalho de mencionar os prantos do público feminino.

Mas não cabe censurar o rapaz, pois o filme esbanja sentimentalismos baratos, capaz de condoer até Cruela Devil – essa referência é gratuita, mas ao menos contextualizada. No mais, o filme expõe as desventuras de uma família americana e sua convivência com um simpático e bagunceiro cão.

Engraçadinho.

Cotação: Regular

sexta-feira, 12 de dezembro de 2008

O nevoeiro


O nevoeiro (The Mist), 2007. EUA. De Frank Darabont

Cláudio e eu nos conhecemos há muito tempo. De certa forma, acho que ambos somos durões. Mas enquanto ele perfaz o estilo do nice boy corajoso, me sobra o papel do cético-amargo-sarcástico.

É mesmo. Sabe aquele cara dos filmes de terror com um copo de whisky na mão que zomba do perigo? Bem, sou eu. Sim, o tipo de personagem arrogante que sempre morre no final. Já Cláudio pode se gabar: ele é o sujeitinho bacaninha que sobrevive com a linda mocinha loira.

Preâmbulo necessário, pois esse meu bom amigo veio até mim e confessou ter ficado apavorado com O nevoeiro. Bem, vindo de alguém que acho O chamado fastidioso e Dawn of the dead brega, achei promissor. Aluguei o dvd esperando encontrar o “fear”, mas o que eu vi foi uma dissertação sobre os neo-pentecostais... que a julgar por essa historieta até que não são tão descabidos...

Pois bem, logo após uma forte tempestade, em uma cidade interiorana americana (tinha que ser), surge um estranho nevoeiro, trazendo um clima de anormalidade à cidade. Algumas pessoas ficam presas em um supermercado e percebem que algo estranho está acontecendo lá fora. Não é necessário muito tempo para constatar a presença de criaturas dispostas a se banquetearem com a carne humana.

Entre os sobreviventes temos simpáticos idosos, pais exemplares de família (a propósito, pessoas como meu amigo Cláudio), funcionários do estabelecimento, advogados céticos-amargos-sarcásticos (olha eu aqui!) e uma neo-pentecostal fervorosa (queima eles Jesus). Pronto, o cenário perfeito para os embates com o “freak”, sejam as criaturas externas ou internas.

Na medida em que os ataques dos monstros se intensificam, as pessoas ficam mais desesperadas, portanto mais suscetíveis aos trôpegos discursos da beata Sra. Carmody. Na verdade, ela não é de todo mau, já que os demais não conseguem apresentar nenhuma estratégia de sobrevivência realmente válida.

Aliás, se um dos objetivos do filme era a crítica ao discurso neo-pentecostal, cabe dizer que ele falha, pois ao final, a música orquestrada e o clima fatalista gerado nos levam a crer que há momentos em que devemos ter fé e confiar plenamente em um “Deus vingativo e poderoso”, mesmo que no caso seja o exército americano.

É aqui que eu chego ao ponto que gerou essa crítica, pois ao contrário do meu lindo e másculo amigo Cláudio, não vi nada de assustador no filme. Eu já comentei isso antes: eu acredito que os monstros mais perigosos são os humanos, capazes de levar qualquer outra espécie à extinção. Se alguns se apressam e temem o Armagedon fazer o que...

Claro, quem assistir o filme vai entender aonde eu quero chegar.

A ironia! Há ironia! Ah... a ironia....

Como sou cético, amargo e sarcástico.

Cotação: regular

terça-feira, 16 de setembro de 2008

Revelações


Revelações (The Human Stain), 2003. EUA. De Robert Benton

Pouca coisa pode ser dita sobre o filme, sob o risco de revelar a trama ao leitor. A narrativa tem um encadeamento não linear, permitindo que acompanhemos o passado e presente do reitor Coleman (Anthony Hopkins), demitido do seu cargo devido a uma acusação de racismo, alegada por dois estudantes.

Coleman acaba por se envolver com Faunia (Nicole Kidman), uma mulher bem mais jovem, faxineira da instituição na qual ele trabalhava. A relação com essa mulher e a amizade desenvolvida com um recluso escritor será o ato final de sua vida. A percepção de que seu fim não está muito distante (afinal ele já é um velho homem) o leva de volta ao passado, lugar em que está depositado seu segredo nunca revelado, uma mancha em sua memória.

O passado e o presente têm panos de fundo muito distintos, o atual é marcado pela onda do politicamente correto, no qual uma única palavra pode ser descontextualizada e interpretada como racista. O outro é um momento de racismo institucionalizado, no qual havia dois modos de vida bem diferentes, dos negros e dos brancos. Porém Coleman não vive plenamente nem no ontem nem no hoje, por isso ele compartilha algo com os heróis gregos (que ele mesmo cita), a inadequação perante a hipocrisia e ao moralismo.

Robert Benton é um diretor competente, conseguiu conduzir a história sem adentrar em recursos melodramáticos. Sucinto, escolhe o que dizer e não se delonga no desenvolvimento dos personagens. Parece que o cineasta deixou essa tarefa ao próprio espectador.

O filme é um contraponto a onda politicamente correta que ganhou vulto nos Estados Unidos durante a década de 1990. Um tempo em que a verdade é ocultada ou escamoteada para não ferir suscetibilidades. Nesse sentido o filme entra em contradição, ao expor com naturalidade a nudez de uma jovem atriz (Jacinda Barrett), mas não ter tanta ousadia para mostrar o corpo de Kidman.

De fato há uma névoa de moralismo, que impede que algumas coisas sejam mostradas ou faladas. Revelações trata desse contexto que a propósito ainda vivenciamos, no qual o silêncio e a alusão substituem o diálogo direto. É aquela conversa que é travada na cozinha, só com os íntimos, e nunca na sala, com as visitas.

Sem cotação