Bad City é uma cidade de cenários pós-industriais vazios, praticamente mortos-vivos. Os galpões, as máquinas
e as luzes tremeluzentes destacam a solidão e a perda dos laços sociais. Os poucos transeuntes são seres solitários: velhos, prostitutas e cafetões. Embora haja indústrias por todos os
lugares não se vê trabalhadores, as máquinas são os seres híbridos em movimento, assim como os vampiros.
Uma
moça vampira percorre as ruas atacando homens e protegendo mulheres. Ela atua como compensação à hipocrisia da
sociedade iraniana. Seu caminho se cruza com o de Arash, um jovem traficante
também defrontado pela aridez de Bad City. Ambos estabelecem uma ligação
fortalecida pelos pontos em comuns: vampira e traficante sentem-se pessoas
ruins, piores do que gostariam de ser.
O
filme enfatiza a influência da cultura norte-americana como uma arma contra à
opressão, desse modo a garota vampira escuta rock e dança ao som do rockabilly
em seu quarto. Fragiliza o filme justamente a intenção pedagógica de construir
sujeitos contestadores por meio do olhar ocidental. A alegoria tangencia em alguns momentos a picaretagem, pois todos os componentes da tessitura
fílmica precisam falar algo. O hamburguer, o skate e as festas vão organizando
as coisas de modo a compor um discurso politicamente alinhado à condenação do
Irã.
Assim, alguns bairros de Bad City lembram regiões ricas de Teerã conhecidas por seus jovens mimados apreciadores de rock e hamburguers. Ironicamente a locação desse cenário destituído de vida ocorreu nos Estados Unidos. Em 2016, o filme The Transfiguration de Michael O’Shea retomaria algumas das temáticas de Garota Sombria ao trazer a figura do vampiro proletário. A relação entre vampirismo, marginalidade e misantropia faz-se presente nos dois contextos fílmicos.
A
fotografia em preto e branco, as panorâmicas e a estilização constroem um clima noir com doses bem distribuídas de tristeza e
desesperança - há também tentativa de diálogo com o western, embora um tanto quanto deslocada. O desfecho do filme tem sabor agridoce e remete, talvez até
involuntariamente, ao famoso final de Bonequinha de Luxo com um gato interpondo-se entre o casal. O resultante é a necessidade de autoaceitação e
recomeço.
Garota sombria que anda a noite é um filme hábil em decodificar as contradições da sociedade iraniana, mas peca pelo excesso de pastiche; o filme poderia ter sido em inglês e não persa por exemplo. O viés feminista ocidental soa arrogante, em compensação dá o ritmo à narrativa inserindo uma discussão sobre o multiculturalismo, entendido como vampirismo, na sociedade contemporânea.
Cotação: ☕☕☕☕