domingo, 1 de setembro de 2024

Longlegs

Longlegs: Vínculo Mortal (Longlegs), 2024. De Oz Perkins

Long Legs = Pernas longas = Pernalonga? melhor se assim o fosse...

Aquele coelhinho era danado, não? Bem, o nome dele no original não é Longlegs, mas sim Bugs Bunny. Não há ligação, embora quando um caçador enfiava uma arma na toca do Pernalonga e puxava o gatilho a carga acertava, misteriosamente, os fundilhos do disparador. E vejam só, isso faz mais sentido do que toda a baboseirada de Longlegs, supostamente o filme mais assustador de 2024.

Estamos falando de um filme no qual a agente especial Dana Scully, digo a agente especial Lee Harker, com uma intuição acima da média (habilidades psíquicas ao estilo Frank Black, também personagem do Chris Charter) inicia uma investigação sobre o misterioso serial killer mesmo demonstrando sinais de instabilidade psicológica, depressão, síndrome do pânico, isolamento social etc. Mas seu consciencioso chefe decide apostar todas as fichas nos poderes mediúnicos (digo, intuição acima da média) da agente.

Polícia científica? Para quê? Nós acreditamos em ocus-pocus.

O assassino autonomeado como Longlegs, por sua vez, é uma figura tão convincente quanto um quadro maneirista do século XVI. Sim, meus caros, Nicholas Cage está overacting; eliminem as texturas, a boa vontade do público e o marketing e teremos apenas uma canastrice. E de pensar que no passado eu já critiquei o coringa de Heath Ledger...

Ao longo da investigação evidencia-se um elo obscuro entre Harker e o Longpernas, uma situação perceptível até para o nada perspicaz chefe da investigadora. Mesmo assim ele não se perturba com pequeníssimo detalhe, afinal Harker tem poderes intuitivos de decodificar instantâneamente cartas satanistas... coisa trivial que se aprende em um curso de verão.

O suspense policial cede lugar ao terror aumentado as fragilildades da narrativa; com a evocação da figura do diabo (não como psicopatia do sujeito, mas como entidade real) tudo fica fácil para os propósitos da trama... Afinal, uma vez delineado um componente sobrenatural para as ações do serial-killer (algo que apenas Lee Harker admite) torna-se apenas uma questão de tempo ver como os propósitos irão se realizar.

[Não adianta tentar me pegar velhinho, disse o Longlegs]

Os norte-americanos levam essa coisa de tinhoso a sério, pois quando ele entra por uma porta o bom senso sai pela janela. Assim, tudo se torna previsível, pois as tentativas de detê-lo irão apenas fortalece-lo. O demônio surge como a representação do mal absoluto e mesmo aqueles que deveriam pará-lo acabam, de um jeito ou de outro, servindo-lhe.

Desculpem-me se repito, mas vejam só: se o caçador enfiar um rifle na toca do Pernalonga e puxar o gatilho estará disparando em si próprio.

Tão óbvio, mas infelizmente quem está na perseguição do Longpernas NÃO sabe disso.

Cotação: ☕☕

Filme assistido em 25 de agosto de 2024.

sábado, 24 de agosto de 2024

Knightriders/Cavaleiros de Aço

Cavaleiros de Aço (Knightriders), 1981. De George Romero.

George Romero, conhecido por seus filmes de zumbis, nos entrega uma pérola em forma de um filme sobre um grupo de motoqueiros itinerantes que vivem segundo os códigos da cavalaria medieval. Uma apreciação positiva da contracultura aliada à denúncia da conspurcação provocada pela sociedade de massas.

Os motoqueiros precisam seguir Billy, o rei, até que este seja derrotado em uma peleja, mas essa não é uma tarefa fácil, porque além dele ser habilidoso existe o séquito de cavaleiros com a função de defende-lo. Os combates são organizados conforme as justas medievais, eles constroem armaduras e armas e tentam se derrubar para delírio do público provinciano.

Ao chegarem nas cidadezinhas americanas os cavaleiros se tornam a sensação local atraindo tanto entusiastas quanto opositores. Com uma arrecadação espontânea conseguem os recursos para continuar as suas atividades, ou seja, trata-se de um estilo de vida até certo ponto anticapitalista. Mas no interior do grupo dissensos aparecem, uma ala passa a questionar o idealismo do rei propondo uma abordagem mais comercial e com maior publicidade.

[Escapismo ou Idealismo?]

O estilo de filmagem de George Romero valoriza ângulos diferentes sobre as motos, optando por manter uma certa distância, reforçando a perspectiva do espectador com o contraste antigo-novo. O mundo moderno aparece ser um elemento intrusivo na história, pois os cavaleiros motociclistas optam por desafiar o consumismo. As comunidades visitadas pela trupe demonstram pobreza espiritual; caipiras conservadores presos à miséria cotidiana.

A banalidade da sociedade norte-americana destoa dos propósitos elevados do grupo, no entanto não há um consenso sobre o que significa ser um cavaleiro nos dias de hoje. Nesse sentido, o filme dialoga com o ultrarromantismo a partir do escapismo de Billy. Interpretado pelo jovem Ed Harris, o rei dos motoqueiros busca um tipo de transcendência ao qual os seus companheiros não conseguem atingir. Sua melancolia, no entanto, enfatiza a resolução do coletivo em ressignificar a vida moderna de forma alternativa.

A disposição ao sacrifício e ao martírio entregam um personagem depressivo, mas apaixonado por uma causa até certo ponto intangível. Nesse sentido parece ser uma despedida dos últimos lampejos da rebeldia não cooptada. A recusa radical em fazer qualquer tipo de concessão é o ponto de inflexão que coloca não só Billy, mas todo o grupo, em crise existencial.

Quase um filme-manifesto Romero parece mostrar, mais uma vez, a existência dos mortos-vivos. Agora não se trata de monstros decompostos e sim da mediocridade suburbana demarcada no excesso de álcool e fast-food, além da violência doméstica e da religiosidade opressiva. Compartilhando temas comuns com o famoso Easy Rider (1969), Knightriders também aposta nas motos como vetor de fuga dos insubmissos e contestadores rumo à autenticidade da vasta América.

Cotação: 

sábado, 17 de agosto de 2024

The Outlaw/O Proscrito

O Proscrito (The Outlaw), 1943. De Howard Hughes.

Dando continuidade a minha imersão no Western chego a esse “clássico maldito”. Uma história, diríamos hoje, de bromancers, tratando-se apenas da velha e genuína sociedade machista dos cowboys. A história se passa no Oeste bravio com as figuras históricas do xerife Pat Garret e dos foras da lei Doc Hollyday e Billy the Kid em uma perseguição um tanto quanto desconexa.

Doc e Billy integram um triângulo amoroso com Rio (interpretada por Jane Russell), embora o pivô da rivalidade entre eles seja a propriedade do cavalo Red. A valorização do animal em detrimento da bela moça (mencionada como uma “mestiça”) constitui-se em um dos elementos cômicos, pois não é ela a causa da contenda.

Trata-se de um universo no qual a sociabilidade masculina prevalece, mesmo com amizade e inimizade andando juntas. Cabe ao feminino a cozinha, o cuidado e o sexo. Rio revela uma das representações femininas recorrentes na história do cinema: bela, voluvél, imprevisível e insensat, capaz de declarar o amor verdadeiro momentos após a flagrante traição. O cavalo, por sua vez, é sempre leal gerando por isso disputas acirradas.

Rio, relegada várias vezes, vinga-se de seus amantes entregando-lhes ao xerife. Há excesso de reviravoltas que prejudica o desenvolvimento da narrativa. O aparecimento dos nativos Mescaleros, por exemplo, acontece somente para abrir o arco final, uma situação reputada como grave para ser descartada logo em seguida.

[O marketing do filme girou em torno dos atributos físicos de Jane russel].

As atuações e os diálogos são típicos desse cinema teatralizado onde não há intenção de naturalidade. Estamos falando da década de 1940 com dramatização trabalhada por meio de frases de efeito e tiradas inteligentes. Assim, o desempenho de Jane Russel é eficaz sobretudo pela contenção. O filme, no fim das contas, tem sua elegância nos enquadramentos e nas alocações dos cenários externos e internos. A câmera, também, mostra-se atenta para acompanhar os rápidos sacar de armas dos atiradores.

O foco da narrativa desloca-se da ação para os conflitos do grupo destacando mais os aspectos psicológicos do que o bang-bang convencional. A tensão (quase sexual, diriam os amigos da Queer Theory) entre Doc e Billy ancora o conjunto da obra. De fato, em verdade, em verdade, dá para ficar em dúvida se Doc e Billy querem se matar ou se beijar. Já Garret age como um marido traído, não perdoando Doc ter se voltado contra ele. O desfecho alimenta a lenda de Billy the Kid, mas diminui a dos outros dois, sobretudo Garret. O filme, afinal, é uma história de parcerias entre homens, armas e cavalos.

A fraternidade é masculina, mas o amor, puro e platônico, equino.

Cotação: 

Assistido em 16/08/2024.