sábado, 18 de outubro de 2025

A Regra do jogo


A regra do jogo. 
La Règle du jeu. De Jean de Renoir, 1939.

A narrativa La Règle du jeu assemelha-se a uma ferina comédia teatral. Os atos são bem definidos, de forma quase esquemática: uma festa realizada em uma mansão aristocrática do interior da França. Os personagens situam-se em três planos: os ricos, os empregados e os amigos/agregados empobrecidos.

Os flertes e ciúmes funcionam como aperetivos para o banquete farscesco: traições e vinganças. Os triângulos amorosos acirram o senso de decadentismo. Christine tem como marido Robert, um marquês, e como amante André Jurieux, um aviador. Do lado dos empregados há Lisette, fascinada com o modo de vida dos ricos, casada com o guarda-caça Schumacher e interessada em um novo empregado.

Embora as dimensões da história tendem para um intimismo, a interioridade dos personagens pesa pouco. Suas motivações parecem estar lastreadas no tédio e autopiedade.

Um dos pontos de contato é Octave, um diletante amargurado (que carrega secretamente a paixão por Christine). O embate entre o marido traído e o amante da esposa dá o tom de gravidade à narrativa. Ao mesmo tempo, o ciúme de Schumacher e seu descontrole compõem o arpejo geral do enredo cujo desenlace é tanto uma tragédia quanto um ato de cinismo.

A ambientação na casa de campo reflete as sobreposições entre os mundos burguês e aristocrático. Os conflitos e as dinâmicas seriam a inspiração para o filme de Robert Altman Gosford Park (2001). Nas duas películas, a ação dos empregados é o solucionador dos impasses pseudo-existenciais dos empregadores.

Filme interessante para compreendermos as tensões sociais da França na década de 1930. Seu diálogo inconsciente com o fascismo e sua crítica aguda, mas apolítica, às classes dominantes sintetizam o contexto cultural de então. Na ótica de Renoir parece inexistir uma alternativa à anomia vigente. Se as classes dirigentes estão carcomidas, não há muito o que se esperar dos trabalhadores.

A Regra do jogo não vacila em delinear a futilidade da sociedade francesa expondo a artificialidade do heroísmo militarista pós-1918. Funciona como preâmbulo de impasses coletivos que seriam resolvidos tragicamente (e naquele mesmo ano) com a invasão alemã.

Em suma, a ácida comédia de Renoir tomo o riso como o prenúncio de um desesperado: a farsa é a antessala do trágico: eis que a Europa de então dançava sobre o próprio abismo.


Cotação: ☕☕☕☕